domingo, dezembro 11, 2005

Pinter



Li o discurso de Harold Pinter na cerimónia de atribuição do Nobel. Estou agora a ver o respectivo video.

As imagens de violência de estado dirigidas contra inocentes, conjuradas por Pinter em texto e em prosa, fizeram-me estremecer. Como nós, essas pessoas viviam as suas vidas, cuidavam dos seus filhos, trabalhavam, estudavam. O seu mundo, no entanto, foi destruído por razões que lhes eram estranhas, por decisões tomadas em lugares muito distantes, em nome de princípios frios de estratégia e de finanças.

Nós vivemos as nossas vidas, cuidamos dos nossos filhos, trabalhamos, estudamos. O que nos protege? O nosso silêncio, a nossa ignorância da "tapeçaria de mentiras" em que vivemos? E, nesse caso, até quando?

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Roger Schank


Leio sempre com prazer os textos de R. Schank na sua coluna Educational Outrage. No contexto da reorganização de Bolonha, é refrescante ler a sua lista das acções que as universidades deveriam tomar se quisessem de facto que as pessoas acreditassem que a educação dos estudantes é a sua primeira prioridade:

  1. Todos os candidatos deveriam ser admitidos. (A única limitação deveria ser a do espaço)
  2. Os professores não deveriam determinar o curriculo. "Professors are enamored with theories and ideas precisely because that is what they deal with all day. If you want practical real world skills, you won’t learn them from them."
  3. As disciplinas não deveriam ter uma duração fixa, e não deveriam ser frequentadas em paralelo. "And how long should a course take? As long as it takes to learn whatever it is the student is trying to learn how to do."
  4. O ensino devia ter lugar quando fosse necessário.
  5. As disciplinas deveriam ser dominadas por projectos e não por lições (lectures). "projects work well in courses where the end result is a student who has learned to actually do something. This should be true of all fields not just ones that are obviously about doing."
  6. Os curricula deviam ser desenhados como preparação para o emprego. "Let students prepare for one or many jobs that interest them. Stop all the academic pretense."
  7. Ter sucesso na escola não deveria significar ganhar uma competição. "As long as school is viewed as a competition, we will have players of the game who are good at the game but learn very little."
  8. A licenciatura não deveria ser determinada pelo total de créditos acumulados. "You should graduate when you can demonstrate some abilities that you didn’t have before you started school."
  9. As propinas deveriam ser baratas.
  10. O campus deveria ser sério, i.e. não relacionado com festas, bebida, futebol, praxes ou actividades extracurriculares.

domingo, novembro 27, 2005

Técnicas pedagógicas


De facto as pessoas habituam-se a tudo. Até a ver os seus sonhos morrerem debaixo do peso dos testes, exames, prepotências, decoranços e cábulas. Até não restar mais que um diploma...

segunda-feira, novembro 14, 2005

Make poverty history

Há ideias feitas, que se aceitam acriticamente, e que no entanto têm um poder destrutivo imenso. Algumas delas foram mesmo criadas para isso mesmo. Veja-se por exemplo a ideia de que pobreza é não ter dinheiro. Claro que não é. Antes de haver dinheiro, toda a gente era pobre? Num mundo em que tudo é visto em termos comerciais, em que tudo se compra, as pessoas não percebem que a definição fundamental de pobreza é a incapacidade de se bastar a si próprio. E que na esmagadora maioria dos casos, essa incapacidade resulta de injustiças contemporâneas ou passadas. A pobreza em África, por exemplo, não derivará da expropriação a que o continente foi exposto desde há séculos?

Li só hoje o artigo de David Rieff na Prospect de Julho (v. artigo resumido no Guardian), em que ele argumenta que o LiveAid complicou a situação política que se vivia na Etiópia na altura, tendo sido aproveitado para dar cobertura a um projecto estalinista de recolocação forçada e assassínios em massa que terá morto mais pessoas do que aquelas que foram salvas pela ajuda "humanitária".

E fico a pensar que era bom que este novo movimento, cheio naturalmente de boas intenções, não passasse disso mesmo. Porque se é o actual paradigma do "desenvolvimento" que cria a pobreza, será possível erradicá-la sem mudar os pressupostos?

domingo, novembro 13, 2005

O porto da Calheta

Foto: Álvaro Saraiva

Fará alguma confusão aos mais novos, mas o parque de estacionamento da Calheta, ou seja o recinto da festa de São Pedro, ou seja ainda a localização do futuro casino de São Miguel, já foram um porto de pesca artesanal, uma enseada abrigada onde eu nunca mergulhei mas onde muita vez fui buscar água salgada ou fazer triagens de material recém-recolhido. Ver mais fotos aqui.

segunda-feira, novembro 07, 2005

Eric Hoffer



Acho que ganhei o gosto pelos aforismos com os notebooks de Lazarus Long. Descobri hoje Eric Hoffer, e estou fascinado. Pela profundidade, pelo desprendimento, pela lucidez. Lembrou-me Fernando Pessoa, pela capacidade de nos obrigar a enfrentar o óbvio e ver o inesperado. Deixo aqui três citações, que talvez não que expliquem o fascínio, mas têm a ver com o espírito do blogue.

Simplicity
In products of the human mind, simplicity marks the end of a process of refining, while complexity marks a primitive stage. Michelangelo's definition of art as the purgation of superfluities suggests that the creative effort consists largely in the elimination of that which complicates and confuses a pattern. 1954

The scientific method
How rare it is to come accross a piece of writing that is unambiguous, unqualified, and also unblurred by understatements or subtelties, and yet at the same time urbane and tolerant. It is a vice of the scientific method when applied to human affairs that it fosters hemming and hawing and a scrupulousness that easily degenerates into obscurity and meaninglessness. 1960

Wordiness
A multitude of words is probably the most formidable means of blurring and obscuring thought. There is no thought, however momentous, that cannot be expressed lucidly in 200 words. 1954

terça-feira, novembro 01, 2005

As carpas e a invenção do alfabeto


A propósito de uma discussão passada, descobri que existia uma tradução portuguesa das “Just so stories”, de Rudyard Kipling (“Histórias assim mesmo”, 1999, Ed. Caminho, admiravelmente traduzidas por Ana Saldanha, no âmbito da sua tese de doutoramento). São histórias para miúdos, de facto, mas têm camadas, como eu gosto. Eles riem-se com os disparates e as cenas caricaturais, e nós ficamos a pensar no resto.
Comecei pel'“O Filho de Elefante”, porque tinha visto referências ao poema final, cuja primeira quadra merecia figurar em todos os laboratórios de investigação, e nas capas dos cadernos de todos os estudantes universitários:
Tenho seis criados, vai pasmando
(Tudo o que sei me ensinaram bem)
Chamam-se O Quê e Porquê e Quando
E Como e Onde e Quem.
Numa outra história, “Como a primeira carta foi escrita”, Kipling descreve uma cena muito cómica que resulta da tentativa de Taffimai Metallumai (que quer dizer «Pessoa-pequena-sem-maneiras-nenhumas-que-devia-ser-açoitada»), a esperta filhinha de Tegumai Bopsulai («Homem-que-não-põe-um-pé-à-frente-do-outro-à-pressa»), de mandar um recado à sua mãe através de um desenho feito numa casca de salgueiro. A história passou-se no Neolítico e foi gravada numa presa de elefante que fazia parte de uma velha trompa tribal da Tribo de Tegumai. Tegumai tinha partido a sua lança a pescar carpas no rio Wagai, e a primeira carta alguma vez escrita pretendia dizer “Mãe, traz a lança preta grande, que está dentro da caverna”. A mãe pensou que a filha e o marido estavam a ser atacados e alvoroçou a tribo inteira.

A pequena Taffimai, assustada mas ao mesmo tempo fascinada com o poder da sua invenção, inventou o alfabeto com a ajuda do pai, para resolver o problema de transmitir o que queria dizer de maneira a não haver más interpretações.
A primeira letra inventada foi o “A”. A maneira de a dizer lembrou a Taffimai uma carpa com a boca escancarada. “Não sabes como elas ficam de cabeça para baixo a escarafunchar na lama?” perguntou ela ao pai. E desenhou-a assim (1). Foi Tegumai que lembrou que as carpas têm barbilhos (2), e a letra acabou por ficar mais ou menos como a conhecemos hoje (3).

A segunda letra foi o Y, que seria a cauda da carpa.

Já se está a ver que imaginação não faltava a esta dupla. O “S” inspirou-se na cobra, claro, o “O” num ovo, e por aí adiante. Os peixes voltaram a ser fonte de inspiração para o “G”, de glutão, que foi desenhado a partir da boca do lúcio (30), ficando o “K” a ser representado por uma lança atrás desse mesmo símbolo (31).

Esta é pois uma importante contribuição da Ictiologia para a cultura universal, a somar aos textos literários de Bertolt Brecht e do Pe. António Vieira (v. entrada de 11.Nov.2004).

segunda-feira, outubro 24, 2005

Falácias leva-as o vento...

O verdadeiro biólogo adora taxonomia. Procurar as características que aproximam os labrídeos dos pomacentrídeos, meter tudo em caixinhas, umas pequeninas dentro de outras maiores e essas dentro de outras maiores ainda,... pode lá haver prazer maior!

E é assim porque a taxonomia dá muito jeito. Posso dizer "os felinos" e toda a gente sabe do que estou a falar. E o jeito que dá tem a ver com o facto de a taxonomia não ser arbitrária, mas reflectir uma estrutura básica da natureza de que o Linnaeus nem suspeitava. De modo que, quando se passou de classificar pelas parecenças para classificar pelas afinidades evolutivas, o esquema geral não se alterou. Salvo algumas excepções, quanto mais parecido mais aparentado.

A taxonomia simplifica a estrutura do mundo real, ajudando-nos a compreendê-la e a utilizá-la.

Uma taxonomia das falácias, como a compilada por Don Lindsay, tem essa mesma funcionalidade: ajudar as pessoas a analisarem o que lhes dizem, e a encontrarem padrões, que são depois mais fáceis de comunicar.

Há dias estive numa situação em que vi aplicar asserções ambíguas, argumentação por discurso rápido (e por observação selectiva, por leitura selectiva, por números pequenos), confundir correlação com causa, falácia redutiva...

Miau?

domingo, outubro 23, 2005

As implicações do direito de aprender

Claude Lefebvre (?), Un précepteur et son élève

Seguindo uma excelente discussão sobre aprender e ensinar (que começou aqui e divergiu para aqui e para aqui), relembrei-me que vi fundamentada a minha posição sobre estes assuntos com Ivan Illich. Na procura do "Deschooling Society", encontrei o Preservation Institute. Gostei logo do primeiro parágrafo do seu texto de apresentação:
"Today, most people recognize that modernization and growth can harm the natural environment. The Preservation Institute believes that modernization also damages the social environment - that many of our social problems are side-effects of modernization and economic growth." (Ênfase meu)
Vou aprender mais sobre eles, mas quiz deixar aqui o convite. Pode ser que persuada alguém a ler algum destes textos. Ou os de Américo de Sousa, cuja página já adicionei aos favoritos.

quarta-feira, outubro 19, 2005

Ship of fools



Perguntei uma vez a um economista, dos poucos que ainda têm alguma preocupação ambiental, como era possível manter uma economia baseada no crescimento constante num mundo de recursos finitos. A resposta, evidentemente pouco pensada, foi que o conceito de tempo dos economistas era diferente do dos biólogos. Implícita ficou a ideia de que a economia está assente no curto prazo, e que o planear o futuro longíquo não dá dinheiro. Nem votos.

Era fatal...


... tinha que falar da gripe das aves. Desculpem. Continuem lá o zapping.

A sociedade ocidental é controlada pelo medo. Medo dos terroristas. Medo dos pretos, dos ciganos, dos emigrantes. E medo das doenças.

Periodicamente surge uma doença da moda, que vai matar toda a gente. Ganham os políticos, com o povão a olhar para outro lado e eles a poderem mostrar que controlam (est)a situação. Ganham os jornalistas, e ganham muito mais os donos das multinacionais que controlam a imprensa. Ganham os laboratórios farmacêuticos. E no final não morre ninguém, e ficamos todos contentes.

Foi assim com a sida*, com a doença das vacas loucas, com a SARS, e agora com a gripe das aves.

Reparei como a coisa começou, há uns meses, com pequenas notícias dispersas sobre as pandemias de gripe, e entrou depois na actual espiral. Valia a pena tentar saber se a guerra judicial entre a Roche e a Gilead Sciences Inc, o laboratório que inventou o Tamiflu, tem alguma coisa a ver com isto. Os inventores fundamentavam a queixa na alegação de que os compradores não faziam uma divulgação suficiente do produto...

Agora, claro, com 60 pessoas mortas desde 2003, o assunto adquire importância mundial. E tinha mesmo que ser, não é? Sessenta pessoas em 2 anos isso dá, para aí, 3 mortos por mês. Assustador. Sobretudo se comparado com as 3 pessoas que morrem por dia nas estradas de Portugal. E estamos a falar de um conjunto de países no Sudoeste Asiático com uma população de mais de 400.000.000 de pessoas.

Mas, dizem-me, esta doença é perigosíssima em pessoas: das 117 infectadas morreram 60. Logo, se és infectado tens 50% de hipóteses de sobreviver. (OMS: "In the present outbreak, more than half of those infected with the virus have died."; "WHO reports only laboratory-confirmed cases.") Hummm...

Em Portugal, a quantas pessoas é que é feita a análise molecular da estirpe do vírus que a infectou? E agora imagine-se no Viet Nam? Quantos indivíduos estavam na sua barraquinha, com uma hortinha, um porco, umas galinhas e patos à solta no quintal, sentiram-se mal, uma gripezita, três dias de cama e pronto? Ninguém sabe, mas eu imagino que devem ter sido muitos. Parece-me lógico que só os casos mais graves terão ido parar ao hospital, e destes só os mais estranhos terão sido testados. E, entre esses, não é de estranhar que a mortalidade seja elevada.

Mas, dizem-me, existe a possibilidade de o vírus se transmitir entre humanos. Pois existe. Assim como existe a possibilidade de eu ganhar o Euromilhões. E hoje o José Rodrigues dos Santos já dizia "QUANDO a pandemia começar..." Foi do entusiasmo, de certeza, eu até tenho boa impressão do rapaz!

Mas não se pense que não me assustei. Fiquei até muito aflito, mas foi quando começaram a falar de aves migratórias. Cheguei a pensar que iam sugerir o abate em larga escala de patos selvagens, gansos, cegonhas, flamingos, essa passarada toda que anda para aí criminosamente a espalhar doenças. Mas não. Ninguém falou nisso. Pelo menos ainda não. Falam é em proibir a caça- sempre há males que vêm por bem.

Para continuar a rir com este assunto (para não chorar) ler o texto de João Pereira Coutinho. Para os masoquistas, que querem mesmo é chorar, recomendo o blogue Pharma Watch.


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* Desta não morreu ninguém, mas não há motivos para contentamento...

domingo, outubro 16, 2005

Quando é que chega?

Por falar em princípio da precaução, um tal Gary Kobinger e seus colaboradores misturaram proteínas do virus Ébola no HIV. Andam a fazer testes em ratos mas querem passar à fase de aplicação em humanos. É verdade- há "cientistas" não só a trabalhar com aquilo que muita gente pensa serem dois dos vírus mais mortíferos que se conhecem, mas a misturá-los um com o outro.

Quem é esse criminoso?, perguntarão. Pois é um investigador da Universidade da Pensilvânia. Andei pelo site, mas não consegui dar com a página dele. E a justificação? Arranjar uma maneira de introduzir um gene normal em células pulmonares de pessoas sofrendo de mucoviscidose. A história está contada nesta peça da BBC.

Claro que eu sei que o HIV é um vírus passageiro absolutamente inofensivo (Deusberg & Rasnick, 1998; Deusberg et al., 2003), mas a questão não é essa. A questão é como alguém pode ter a arrogância de manipular coisas que não conhece mas que sabe/pensa serem extremamente perigosas, não só com impunidade mas até com financiamento público? Esta gente não sabe que não está a lidar com máquinas? Pode tirar-se o motor de um Porsche e colocá-lo num VW carocha e ficar com um carro que anda que é uma beleza. Mas os sistemas biológicos são inerentemente imprevisíveis. São sistemas complexos, bolas! Vão ler!

Não há limites para esta ciência?

Hormese

Hormese é a minha melhor tradução para o termo inglês "hormesis". Significa que um determinado produto (normalmente um poluente, ou uma toxina) tem efeitos opostos em doses altas e em doses baixas. Um livro recentemente editado,com o provocativo título "UNDEREXPOSED: What If Radiation Is Actually GOOD for You?" faz o ponto da situação relativamente à radiação. E advoga que a hormese contradiz o princípio actualmente aplicado de que toda a radiação ionizante é prejudicial, mesmo em pequenas doses. Isto tem, evidentemente, implicações fortes para as actuais políticas de avaliação de risco nuclear.

Façamos uma experiência: quantas pessoas morreram como consequência directa do acidente de Chernobyl? Pense num número e depois veja este artigo de Michael Fumento. E, para as bases teóricas da hormese radioactiva, este de S. M. Javd Mortazavi. E lá se vai uma das minhas razões para me opor à energia nuclear...

Um toxicologista chamado Edward Calabrese está desde há alguns anos a acordar o campo paralelo da hormese química. Basta ver os seus artigos na B-On. E digo acordar porque há um velho ditado dos farmacêuticos: "O veneno está na dose". Será que afinal as dioxinas da co-incineração até fazem bem à saúde?

E o princípio da precaução, onde fica? Na determinação do nível aceitável?

A luz no escuro



Já comparei a ciência a uma luz muito fraca numa noite muito escura, num lugar desconhecido. Ela ilumina só um bocadinho, e mesmo assim mal. E nós temos que ir juntando os bocadinhos que uma pessoa vê aqui com os bocadinhos que outro vê ali, e ir reconstituindo o caminho. Por isso é tão importante ser de uma integridade absoluta quando reportamos o que vemos do nosso bocadinho: é que outros vão usar essa informação e construir a partir daí. Um erro inicial pode multiplicar-se e levar a cair no abismo.

Há um célebre texto de Richard Feynman que descreve exactamente aquilo que eu quero dizer:
It's a kind of scientific integrity, a principle of scientific thought that corresponds to a kind of utter honesty--a kind of leaning over backwards. For example, if you're doing an experiment, you should report everything that you think might make it invalid--not only what you think is right about it: other causes that could possibly explain your results; and things you thought of that you've eliminated by some other experiment, and how they worked--to make sure the other fellow can tell they have been eliminated.

Details that could throw doubt on your interpretation must be given, if you know them. You must do the best you can--if you know anything at all wrong, or possibly wrong--to explain it. If you make a theory, for example, and advertise it, or put it out, then you must also put down all the facts that disagree with it, as well as those that agree with it. There is also a more subtle problem. When you have put a lot of ideas together to make an elaborate theory, you want to make sure, when explaining what it fits, that those things it fits are not just the things that gave you the idea for the theory; but that the finished theory makes something else come out right, in addition.

In summary, the idea is to give all of the information to help others to judge the value of your contribution; not just the information that leads to judgement in one particular direction or another.

Caltech commencement address, 1974.
É isto que as pessoas esperam dos "cientistas" mas que, infelizmente, muitas vezes não recebem. Às vezes recebem "hipóteses", normalmente muito bem envolvidas em roupagens teóricas. Tão envolvidas em linguagem técnica, de facto, que se tornam incompreensíveis. E vêm, então, acompanhadas de cálculos, ou experiências, gráficos e tabelas que, se não se percebem, pelo menos inspiram confiança. Perca-se um bocadinho a analisar aquilo tudo, no entanto, e percebe-se o truque: não há nada ali de substancial. O autor viu uma coincidência engraçada, elaborou a sua hipótese, fez uns cálculos superficiais que a pareceram confirmar e não mexeu mais. Aplicam-se os critérios de Feynmam e vemos a "hipótese" pelo que ela é: uma "just-so story" (ler as originais aqui), uma idéia gira que, sem suporte empírico, não passa disso.

segunda-feira, outubro 10, 2005

Doutoramento

Tanto quanto eu saiba, os doutoramentos são regidos em Portugal pelo Decreto-Lei 216/92, de 13/10.

Lá se diz (artº 17) que "O grau de doutor comprova a realização de uma contribuição inovadora e original para o progresso no conhecimento, um alto nível cultural numa determinada área do conhecimento e a aptidão para realizar trabalho científico independente." É esta, portanto, a definição oficial de doutor.

quarta-feira, setembro 28, 2005

A primeira obra de ficção científica...

...é de Voltaire. Chama-se Micromegas e o texto pode ser lido aqui. Fui atraído para a ficção científica por poder constituir uma reflexão sobre o mundo de hoje, uma construção de cenários possíveis, a descrição de uma utopia. Fico contente por saber que essas são mesmo as sua origens.

Bondade

Rousseau estava errado. Em toda a linha. Não há bons selvagens, antes pelo contrário. Deixado a si próprio, o indivíduo é dominado por sentimentos negativos, tendo o egoísmo como centro.

Dito de outra maneira, o estado "natural" da nossa espécie compreende comportamentos que tenderíamos a descrever hoje, do nosso ponto de vista ocidental, como inaceitáveis. O racismo violento, por exemplo. O infanticídio. O canibalismo.

E, no entanto, há pessoas boas. Não estou a falar de quem não diz palavrões, ou de quem respeita as filas. Estou a falar de pessoas tão fundamentalmente boas que só podem ter nascido assim. Que não conseguem, visceralmente, fazer mal a ninguém.

Conhecê-las reconcilia-nos com a vida e, se não nos devolve a esperança num futuro radioso para a humanidade, dá-nos pelo menos a certeza de que valem a pena os esforços de contradizer o mal que há no fundo de cada um.

terça-feira, setembro 20, 2005

Passos para a qualidade

A Quality Assurance Agency for Higher Education (adoro este nome!) elaborou um Code of practice for the assurance of academic quality and standards in higher education. Tem 10 secções:
1 Postgraduate research programmes
2 Collaborative provision and flexible and distributed learning (including e-learning)
3 Students with disabilities
4 External examining
5 Academic appeals and student complaints on academic matters
6 Assessment of students
7 Programme approval, monitoring and review
8 Career education, information and guidance
9 Placement learning
10 Recruitment and admissions
Proponho-me fazer uma breve análise destas secções em outras tantas entradas, que é a melhor maneira de estudar o assunto.

sexta-feira, agosto 05, 2005

Roses are red...



Poucas vezes nos damos conta de como a nossa compreensão do mundo que nos rodeia é baseada em metáforas. O "nicho ecológico" de uma espécie, por exemplo, é a "profissão" que ela ocupa no ecossistema. Percebe-se melhor do que dizer que é o volume que a espécie ocupa no hiper-espaço dos recursos disponíveis no ecossistema. E que fazemos quando "lutamos" contra o cancro ou outras doenças? Metaforizamos, claro.

Há toda uma área da filosofia dedicada ao estudo das metáforas conceptuais, as quais se encontram numa gama de temas que passa pela ciência mas que se estende da linguística à política.

A própria natureza é convertida em metáfora. Rosas vermelhas são paixão, representam o espírito creativo do amor, por exemplo, apesar de pertencerem à mesma família de plantas bastante mais prosaicas (se não menos sensuais), como as maçãs, as ameixas, as amêndoas, as cerejas, as peras, os pêssegos, os morangos...

Temos portanto um gosto por metáforas. Elas podem, no entanto, tornar-se perigosas se as tomamos pela realidade. Porque consistem na transposição de conceitos de uma área mais concreta para outra mais abstracta, simplificam-na e tornam-na mais acessível à compreensão. Mas não são a realidade, e isso deve estar presente quando decidimos agir. Ou definir uma linha de investigação.

quarta-feira, agosto 03, 2005

A importância da História


A Biologia é a ciência do histórico. Os organismos, os ecossistemas que existem hoje resultam de contingências históricas fortuitas. Falei há dias com uma bióloga recém-formada, que não percebeu o meu argumento de que não pode haver vida humanóide noutros planetas. Pois é, foi um encadeamento único de circunstâncias que levou à emergência do Homo sapiens, e nada nesse encadeamento é repetível. Na expressão de Stephen J. Gould (a propósito dos xistos de Burgess), se a fita fosse passada outra vez, o filme seria completamente diferente.

Neste contexto, o texto de Juan Cole, professor de História da Universidade de Michigan, Fisking the "war on terror", ajuda a por em perspectiva os acontecimentos actuais relacionados com o "terrorismo". E ilustra vivamente, para quem não tenha essa consciência, a importância de ter uma perspectiva histórica das coisas. Ou, dito de outra maneira, ilustra como a percepção mediática da realidade, com a sua fina espessura temporal, abre a porta a todo o tipo de distorções e serve para justificar medidas absolutamente aberrantes.

sábado, julho 30, 2005

Ecologia



Depois de um estágio de alguns meses na minha mesa de cabeçeira, voltei a pegar no livro de Robert H. Peters "A critique for ecology". É um livro denso, de uma erudição extensa, causada pela preocupação do autor com fundamentar o seu argumento, examinando-o de várias perspectivas e ilustrando-o com citações e referências. Mas é um livro fundamental, que não sei como me foi possível chegar até aqui sem ler.

Espero que eu faça parte de um grupo minoritário de pessoas ligadas à Ecologia (enquanto ciência) que ainda não leu este livro. É que a mensagem nele contida é muito importante, e pode ser resumida da seguinte forma: a Ecologia está em crise porque muito dela tem falta de rigor científico e uma fraca capacidade preditiva. Muita da Ecologia usa conceitos mal definidos, coloca questões irrespondíveis, e elabora teorias não falsificáveis.

Quando peço aos meus alunos uma definição de Ecologia, salta logo a velha "é a ciência que estuda a relação dos seres vivos com o meio ambiente", que já vem pelo menos do 7º ano! Mas o que é que isto quer dizer, exactamente? Ou, o que vai dar no mesmo, o que é que, então, não é Ecologia? Mas já pelo menos desde 1974 que Charles Krebs insiste que a Ecologia é o estudo científico da distribuição e abundância dos seres vivos": "where organisms are found, how many occur there, and why". Só parece pouco à primeira vista, enquanto as consequências desta definição não assentam. Depois percebe-se que esta é única forma de construir uma ciência digna desse nome.

Não sei se a situação desta disciplina se alterou desde a publicação do livro de Peters em 1991, poucos anos antes da sua morte (ver obituário). Mas pelo menos eu estou a aprender muito...

Economia


Confirmando a minha rebelião com o domínio da "economia" sobre o discurso político actual, e com a forma como a percepção geral do mundo económico encaminha este planeta para o caos, li hoje o artigo de Gordon Bigelow para a Harper's ("Let There Be Markets: The Evangelical Roots of Economics", que arquivei aqui).

Bigelow desmonta a retórica dos "mercados" e respectiva "liberdade" mostrando como a base das principais teorias económicas está errada. Se, como é óbvio para todos menos para prémios Nobel da Economia, as pessoas não tomam as suas decisões económicas pensando exclusivamente nelas próprias e usando uma racionalidade absoluta, a pretensiosidade científica das correntes teorias económicas neoclássicas esfuma-se.

Este artigo mostra a perigosidade deste conceito de mercado livre usando exemplos de falhanços espectaculares, como o da grande fome da batata, na Irlanda de meados do séc. XIX, em que morreram mais de 1 milhão de pessoas. Mas mostra também que a génese destes conceitos económicos está nos preconceitos cristãos evangélicos, os mesmos que ainda hoje dominam o mundo a partir de Washington e estão muito perto de provocar uma hecatombe sem paralelo na história humana.

segunda-feira, julho 25, 2005

Liberdade


Jean Charles Menezes, † Londres, 22 Julho 2005

They that can give up essential liberty to obtain a little temporary safety deserve neither liberty nor safety.

Benjamin Franklin

terça-feira, julho 19, 2005

Irracionalidades



Estamos ainda muito longe de eliminar as irracionalidades no nosso sistema de ensino superior. Tudo está disfuncional e desorganizado, começando no esquema de financiamento, passando pelo numerus clausus e pelo estatuto da carreira docente e acabando na (des)estruturação pedagógica dos cursos. Muitos docentes e gestores universitários estão alheados das causas profundas da actual crise, e muitos dos que têm alguma ideia dos problemas estão enredados nas malhas do imobilismo próprio e alheio.

Não admira pois encontrar comentários como os de João Vasconcelos Costa, no seu último artigo, de que tenho o gosto de transcrever:

A Universidade dos Açores abriu uma nova licenciatura em Biotecnologia. Disto sei eu alguma coisa. É um exemplo típico de uma actividade interdisciplinar, a nível de pós-graduação, integrando em equipa biólogos, químicos, engenheiros, informáticos. Quem pensa que pode haver hoje uma licenciatura em biotecnologia, ainda por cima nos Açores, anda nas nuvens acerca da biotecnologia.


Outra nova licenciatura da UAç é em Ecoturismo, para 20 alunos. Num ano, saturam o mercado de emprego. Ao mesmo tempo, abrem também uma nova licenciatura em Património Cultural. Só falta também, nesta licenciatura, um ramo de restauro. Porque não ainda mais especializada, em ecoturismo e património cultural da minha querida freguesia da Ribeira Seca, a tal em que, em tempos idos, se deixava a chave na porta para os vizinhos poderem entrar?

Aparecerem ofertas deste género (e alunos que as frequentam), como JVC bem sabe, é sintoma da irracionalidade instalada no sistema. Eu até estive envolvido na génese da licenciatura em Ecoturismo, embora numa perspectiva de damage control, e não me sinto particularmente satisfeito com a minha contribuição. O que me aflige é encontrar a ponta da meada. Por onde começa a reforma? Pelo Ministério? Pelos reitores? Pelos departamentos? Individualmente? Ou precisamos de um Alexandre?

segunda-feira, julho 11, 2005

Nuclear

O ano passado descobri que o James Lovelock via no nuclear a saída para o problema do aquecimento global. Justificando com base na necessidade urgente de abandonar os combustíveis fósseis, Lovelock diz que os medos da radiação são irracionais e que a energia nuclear é a mais segura de todas. Achei piada ao argumento, mas fiquei com uma pergunta sem resposta: "E o destino final do material radioactivo? Se já neste momento é problemático, o que aconteceria se a energia nuclear fosse adoptada em grande escala?"

Agora li uma série de artigos por Peter Bunyard no sítio do Institute of Science in Society sobre este tema. Deixo aqui o registo, para contrabalançar. Num primeiro artigo, este autor lança argumentos económicos (a energia é muito cara, porque pesadamente subsidiada) e de segurança (o plutónio pode ser utilizada por terroristas, e há sempre o risco de fugas e acidentes); no segundo, argumenta que a quantidade de urânio é limitada e que, se contabilizarmos a energia necessária para a respectiva extracção e enriquecimento (onde são utilizados combustíveis fósseis), as centrais térmicas produzem menos CO2 por kW.

Bunyard afirma que nos EUA não houve encomendas de novos reactores nucleares civis desde 1973. Faz pensar...

Vacas loucas




Os excelentes cartoons de Mr. Fish podem ser vistos aqui e aqui.


Infelizmente não vai acontecer. Se alguma coisa mudar na nossa relação com a natureza terá que vir das nossas mãos. E, pelo caminho por que vamos, não tenho muita esperança. Note-se que a única resposta positiva dada pelos G8 às solicitações do movimento Make Poverty History (para ir buscar uma coisa muito mediática) teve a ver com o fornecimento de medicamentos para a sida. Sou só eu a notar algum padrão aqui?

quinta-feira, julho 07, 2005

Sinto-me só como um seixo de praia

Sinto-me só como um seixo de praia
Vivendo à busca no cristal das ondas,
Não sei se sou o que não sou. Pressinto
Que a maré vai morar no fundo d'alma.

Calo-me sempre se te escuto vindo
Marulho de incerteza e de agonia;
Há crenças deslizando nos meus traços,
Molhando a estátua do meu sonho antigo.

Declino-me nas frases dos rochedos
Nas pérolas de som do inesquecer
Na incrível sombra da montanha adulta.

E ao me curvar ao peso da memória,
Descubro meu reflexo obscuro
Num soneto de espumas inexatas.

Vinicius de Moraes

segunda-feira, junho 20, 2005

O valor da união


Perante os problemas que se deparam à UA no presente contexto nacional e internacional, será preciso um grande esforço de todos no sentido de fazer as mudanças necessárias à sobrevivência. Lembrei-me por isso deste desenho de Ken Sprague:

domingo, junho 19, 2005

CV ou Resumé?


Um dos momentos mais marcantes quando se acaba um curso é sem dúvida o da preparação do currículo. E tenho dados muitos conselhos a alunos acerca disto, embora eu próprio tenha pouca experiência nesta área (pois, ainda sou do tempo em que se faziam contratos vitalícios...).

Há dias li sobre a diferença entre um CV e aquilo que os americanos chamam um resumé. Para além da diferença do primeiro ser usado na Europa e o segundo nos EUA, há também questões de contexto e de objectivos. Um CV é sobretudo utilizado em contextos académicos, para documentar o percurso do seu autor. Um resumé é utilizado em contextos profissionais, sendo bastante mais curto.

Hoje descobri estas indicações sobre a preparação de um CV que me parecem muito pertinentes, e resolvi deixá-las aqui, para benefício dos alunos que sei que lêm este blogue de vez em quando. Mas também aponto para estas páginas sobre a escrita de um resumé, e para o CollegeGrad.com, onde podem ser descarregados exemplos de resumés (como este, para um biólogo recém-licenciado)

quinta-feira, junho 16, 2005

Desenvolvimento epistemológico

É possível de alguma forma sobrepôr uma perspectiva temporal e de desenvolvimento pessoal à taxonomia de Bloom. Assim, em 1968, William Perry publicou um esquema de desenvolvimento epistemológico que ainda hoje é usado e que tem pontos interessantes. Neste esquema o estudante começa num estado dualista, em que "o conhecimento é visto como objectivo e definitivo, um conjunto de factos que constitui a verdade acerca de um assunto que deve ser distinguido da opinião, que não pode ser provada". À medida que se apercebem da natureza multifacetada do conhecimento, os estudantes passam por uma fase em que admitem que "o conhecimento depende do esforço pessoal de organização e interpretação da informação disponível, sendo uma interpretação tão boa como outra qualquer". Na fase final, o estudante "tem a percepção de que o conhecimento é melhor expresso como níveis ascendentes de consciência, no qual o indivíduo deve evoluir para novas perspectivas, libertando-se das que já não são úteis".

Tenho estado a basear-me e a traduzir de um texto de Sharon Pugh (arquivado aqui), onde este modelo é descrito e complementado com descrições de outros modelos similares.

A aplicação deste esquema às áreas científicas sugere que a generalidade dos alunos (e dos professores) estão presos nos primeiros estados de desenvolvimento, são sub-desenvolvidos epistemológicos :-) E discutir estes assuntos, ou pelo menos ter consciência deles, parece-me importante num contexto de alteração radical dos paradigmas do ensino. Que é o que se pretende. Ou não?

Nova taxonomia dos objectivos educacionais


Nunca tendo tido formação pedagógica, foi só este ano que vim a saber que existe uma coisa chamada "Taxonomia de Bloom", que classifica os graus de desenvolvimento cognitivo em 6 níveis:
  1. Conhecimento
  2. Compreensão
  3. Aplicação
  4. Análise
  5. Síntese
  6. Avaliação
Muito recentemente, no entanto, foi editado um livro por Lorin W. Anderson e David Krathwohl que, após um trabalho enciclopédico, vem actualizar a taxonomia de Bloom, que já tem quase 50 anos. Não li o livro, mas li uma excelente recensão por Jack Conklin. O novo modelo tem a seguinte estrutura:

  1. Lembrar (Remember )
  2. Compreender (Understand )
  3. Aplicar (Apply )
  4. Analisar (Analyse )
  5. Avalia (Evaluate )
  6. Criar (Create )
Para além de trocarem a ordem dos dois últimos graus, os autores adoptam novas designações que, para além de menos ambíguas, dão ênfase ao que o aluno aprendeu e é capaz de fazer.

Aqueles autores cruzam esta lista com a dos diferentes tipos de conhecimento e obtêm a seguinte matriz, que resume o novo modelo:



E, como eu também não sabia o que era, aqui fica uma definição de conhecimento metacognitivo (arquivada aqui), o conhecimento do nosso próprio conhecimento.

terça-feira, junho 14, 2005

Os livros da minha vida: 4 - Artificial Life, Steven Levy



A minha leitura de Artificial Life surge na sequência das pistas deixadas em Jurassic Park, e abriu-me o mundo das ciências da complexidade e das suas implicações em todas as áreas, da ciência à política. Lembro-me de ter ficado surpreendido na altura por ser doutorado em Biologia e não ter à mão uma definição de "vida". Devemos ser a única profissão que não consegue definir o seu campo de estudo...

As minhas leituras sobre a origem da vida e sobre a própria história da vida (recomendo, a este propósito, R. Fortey, Life: An Unauthorized Biography), mudaram a minha percepção da Biologia. O clique, desta vez, foi pôr toda a pilha de informação sobre os seres vivos actuais num contexto histórico e geológico. Pois não faz muito mais sentido estudar as coisas assim, integradas, em vez de obrigar as pessoas a memorizar factos desconexos? Mas foi o que me fizeram e, tanto quanto sei, continuam a fazer: duvido que haja muitos cursos de Biologia onde a problemática da origem da vida seja abordada (isso é deixado aos físicos!) ou onde as Zoologias e Botânicas do tempo do Darwin tenham substituídas por uma abordagem integrada e contextualizada (isso é deixado, pasme-se, aos geólogos!). Falar-se-á das novas visões da relação entre os grandes grupos de seres vivos? Falar-se-á da teoria endosimbiótica? Não sei, mas duvido. Poi se ainda recentemente, no contexto da reestruturação das áreas disciplinares do Departamento, se continuava a defender a separação em Zoologia e Botânica...

segunda-feira, junho 13, 2005

Porque morreu um poeta...


Eugénio de Andrade

As Mãos e os Frutos

Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.

domingo, junho 12, 2005

Super-organismos e especialização



   Muitos biólogos pensarão que a evolução da espécie humana parou. De facto, muitas das pressões selectivas que nos moldaram no passado desapareceram- pelo menos para aqueles suficientemente sortudos para terem nascido do lado certo do planeta. Mas continuamos de facto a evoluir. Não talvez no sentido físico: nada nos transformará nas criaturas frágeis de cérebros gigantescos da FC dos anos 60. Mas a internet pode ser o início do sistema nervoso de um super-organismo, em que cada pessoa terá a individualidade de uma abelha num enxame. É uma idéia muito plausível, que ocupa gente como Francis Heylighen.
   Coisas complicadas são sempre melhor entendidas com ficção- eu, por exemplo, decidi escrever esta entrada depois de ter lido a sátira na Wired, e me ter lembrado de um texto do Lazarus Long (aliás R. A. Heinlein):

A human being should be able to change a diaper, plan an invasion, butcher a hog, conn a ship, design a building, write a sonnet, balance accounts, build a wall, set a bone, comfort the dying, take orders, give orders, cooperate, act alone, solve equations, analyze a new problem, pitch manure, program a computer, cook a tasty meal, fight efficiently, die gallantly. Specialization is for insects.

sábado, junho 11, 2005

O que é estudar?

Deixemos o Ary dos Santos explicar...

Utopia, ou Uma visão do futuro do ensino na Universidade dos Açores


Deixo aqui um texto de trabalho que resolvi escrever para condensar ideias. É que, se é difícil traçar caminhos, é impossível fazê-lo sem uma visão clara do destino a atingir...

Seguindo as orientações clarividentes do Ministério, a UA tem agora um número reduzido de áreas de formação no 1º ciclo, tendo concentrado a sua oferta num núcleo reduzido que corresponde às áreas fortes de formação e investigação dos seus docentes. Já no 2º ciclo a aposta foi em oferecer especializações em áreas em que as especificidades da UA e dos Açores são relevantes, abrindo parcerias nacionais e internacionais que valorizam essas especificidades e alargam a base de recrutamento.
Na sequência de um trabalho em que toda a comunidade docente se empenhou, a UA adoptou uma descrição das competências a atingir pelos seus alunos ao longo do seu tempo de formação. Esta descrição, aliada aos perfis de competências definidos pelas comissões de cada um dos cursos, permitiu estruturar os cursos (e, dentro destes, as disciplinas) em função de objectivos de aprendizagem. Obviamente, as actividades lectivas e a avaliação estão alinhadas com esses objectivos: a cada objectivo de aprendizagem corresponde uma determinada estratégia de leccionação a qual, por sua vez, integra um processo de avaliação que permite acompanhar a progressão do aluno, corrigir os problemas de aprendizagem detectados e comprovar que se alcançaram os objectivos pretendidos. Lições tradicionais, aprendizagem baseada em problemas e estágios em organizações exteriores à universidade complementam-se para tornar a formação uma actividade estimulante e pessoalmente enriquecedora, tanto para alunos como para docentes.
Professores de outras universidades e elementos seleccionados da sociedade civil fazem parte integrante de um processo de avaliação regular de cada curso, continuando um processo de abertura ao exterior que começou com a reestruturação inicial dos cursos, suscitada pelo processo de Bolonha. Mas o trabalho fundamental no campo da avaliação é feito internamente, com o contributo de professores e alunos, produzindo as Direcções de Curso relatórios regulares cujas resoluções são acatadas de forma expedita. Os professores apoiam-se mutuamente no melhoramento das estratégias de aprendizagem, também como resultado das frequentes acções de formação. O Código de Boas Práticas Lectivas serve de guia estruturador das relações professor-aluno, sendo as poucas queixas formais resolvidas prontamente.
É difícil acreditar que há tão pouco tempo atrás a organização por Departamentos interferia com a oferta lectiva, havendo inclusivamente competição entre os departamentos! A organização por áreas disciplinares e grupos de disciplinas é de facto a melhor forma de optimizar os recursos humanos e materiais, ao mesmo tempo que se melhora a oferta lectiva e se promove a interdisciplinaridade. O que parecia impossível no início, sentar na mesma mesa professores de departamentos diferentes para planear actividades lectivas, veio a revelar-se um dos principais factores de melhoramento da qualidade do ensino.

Os livros da minha vida: 3 - O Parque Jurássico, M. Crichton


Jurassic Park- o livro Posted by Hello

Aceleramos no tempo para 1996. Estou a acabar o doutoramento e compro para oferecer a um amigo e aluno de biologia uma história com dinossauros que me pareceu interessante. Ele excomungou-me dias depois porque não tinha conseguido largar o livro até o acabar, e que isso lhe tinha trasntornado o estudo para as frequências. Emprestou-mo então, para se vingar. E fiquei preso, também.
O livro tem todos os ingredientes de uma história de suspense com sucesso, sobrepostos a uma base com actualidade científica. Aliás Michael Crichton domina bem a fórmula e, de "The Andromeda strain" até ao mais recente "State of Fear", é considerado o pai do techno-thriller.
Mas não é por causa dos talentos de Crichton que o livro aqui aparece: é por causa dos assuntos que aborda.
Para quem estava a fazer um doutoramento sobre ecologia de comunidades, foi uma revelação descobrir a teoria dos sistemas complexos, sobretudo apresentada de forma tão atrativa. Isso levou-me a pesquisar o assunto o que me levou a muitos campos, do estudo da evolução ao da origem da vida (e da vida artificial), e a revisitar o Macroscópio, que não lia desde os tempos da faculdade. Todas estas leituras vieram confirmar uma daquelas minhas impressões quase subconscientes: que TUDO está ligado, que nada é simples. Para compreendermos verdadeiramente qualquer coisa temos que ir para lá da superfície, e para mudarmos alguma coisa temos que mudar as suas causas primárias.
De repente muitas coisas começaram a fazer clique, e não apenas no campo da Biologia. O modo como comportamentos altamente ordenados podem surgir sem uma autoridade centralizada é ilustrado pelas sociedades de insectos (carregar Setup e depois Go) mas também é confortável para a minha costela anarquista.
É um livro que penso que todos os biólogos devem ler, pela forma como integra uma série de assuntos, da biologia molecular à ecologia de comunidades. E como ilustra a importância de ter um conhecimento aplicado, dominando a teoria mas estando consciente das suas implicações em casos concretos mas, sobretudo, das suas ligações a tudo o resto.

sábado, junho 04, 2005

Os livros da minha vida: 2 - História do Futuro, R. A. Heinlein

Deve ter sido no início dos anos 80 que comprei na Feira do Livro os 3 volumes da História do Futuro (Time enough for love, Robert A. Heilein). Na altura já tinha uma atração por ficção científica, mas este livro mudou para sempre a minha compreensão do género. Heinlein usa a FC como campo para expor as suas ideias sobre a organização da sociedade, mas tecendo ao mesmo tempo cenários realistas de desenvolvimento tecnológico e científico. Intelectualmente muito mais estimulante do que as coboiadas do StarWars e coisas do género.


Robert A. Heinlein Posted by Hello

A ideia central do livro é: o que aconteceria se vivêssemos mais tempo? MUITO mais tempo? A vida da generalidade das pessoas mede-se em meia dúzia de décadas, marcadas por acontecimentos padronizados: infância, adolescência, emprego, casamento, filhos, reforma. E se a vida não parasse aí? Qual o sentido do casamento, por exemplo, se as pessoas vivessem várias centenas de anos? Em "A História do Futuro", o casamento é tido como um contrato entre duas pessoas com a finalidade de ter e criar filhos. Tem um princípio e um fim, independentemente da evolução emocional das pessoas envolvidas.

Há um ângulo biológico aqui, que tem a ver com o modo como as pessoas atingem essa longevidade: por selecção, claro. Existe uma Fundação Howard que tem um fundo que paga a pessoas que vêm de famílias com história de longevidade para se casarem e terem filhos (é obrigatório ter todos os avós vivos na altura do casamento). E o prémio é maior se os membros do casal já pertencerem a famílias Howard. Claro que há depois problemas de consanguinidade, mas a ideia é interessante...

A componente política dos livros também me cativou: Heinlein é um libertário, no sentido em que defende a menor intervenção possível do Estado na vida pessoal. Mas também coloca os seus personagens sob estados totalitários, ou em comunidades em que os costumes são controlados. Nessas situações, é interessante ver como advoga o disfarce, as vidas paralelas e, sempre que possível, a evasão. Os personagens de Heinlein têm pouca intervenção política- mudam-se. O que faz sentido se pensarmos em situações extremas, como a dos judeus na Alemanha de Hitler: "In a society in which it is a moral offense to be different from your neighbor your only escape is never to let them find out."

Penso que li todos os livros de Heinlein, excepto For Us, the Living, que acabo de descobrir que saiu o ano passado. Outro livro dele que me marcou foi Estranho numa terra estranha (Strange in a Strange Land), cuja leitura partilhei com alguém muito especial. Pode ter-se uma ideia geral do pensamento de Heinlein lendo os Notebooks of Lazarus Long, o personagem central de Time Enough for Love.

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sexta-feira, junho 03, 2005

Os livros da minha vida: 1 - a Bíblia

Não, não sou religioso. Considero-me ateu e materialista (neste sentido), embora deixe sempre uma pontinha de dúvida, para o que der e vier... Mas houve uma época na minha vida (há muito tempo) em que acreditei sinceramente que a Bíblia era a palavra de deus e que tudo o que lá estava escrito era verdade e devia ser interpretado literalmente: deus criou o mundo em 6 dias e descansou ao sétimo, e criou o dia e a noite dois dias antes de criar o sol, e feliz de quem pegar nos filhos de Babilónia e der com eles nas pedras... estão a ver a ideia. Não comia carne de porco, descansava ao sábado.

Li a Bíblia de uma ponta à outra, várias vezes. Procurava nela respostas para perguntas cada vez mais complexas, até que as respostas deixaram de me satisfazer. Aprendi mesmo assim algumas coisas, das quais as duas mais importantes terão sido:
  • que nos devemos reger pelas nossas próprias convicções, mesmo que estejamos em minoria. Certas ou erradas, temos o direito de ter as nossas próprias ideias, e os outros têm o dever de nos respeitar, mesmo que não concordem connosco. E vice-versa, obviamente (mas isto não aprendi na Bíblia, que essa é feita para quem está sempre, indubitavelmente, do lado da verdade).
  • a procurar apoio bibliográfico para afirmações e decisões, a justificar o que digo. Foi a minha preparação para o mundo científico, e para a importância dos livros como repositório de conhecimento e como a forma de nos erguermos nos ombros dos nossos antepassados.

Os livros da minha vida

Pegando desavergonhadamente (mas com uma pontinha de inveja) na idéia vista no Espelhos e Labirintos, inicio hoje uma série temática de entradas sobre o tema acima.

Sempre gostei de ler, mas há uma meia dúzia de títulos que me marcaram. Decidi reflectir um pouco sobre porque é que isso acontece. Tenho a impressão que um livro marca quando sintetiza ideias e sentimentos difusos que tínhamos antes de o ler, quando catalisa a reacção para a qual todos os reagentes estavam preparados.

Mas então, não se aprende? Acho que sim, que como numa imagem 3D, uma nova forma de ver as mesmas coisas corresponde a um conhecimento novo. E novas formas de ver as coisas modificam o modo como passamos a ver o mundo e a interagir com ele.

quarta-feira, junho 01, 2005

A construção do conhecimento

Mote:

"Perspectiva muito utilitária, esta. Nem tudo o que é importante "serve" para alguma coisa. O conhecimento constrói-se ou integra o que já se conhece? decida-se..."
Comentador(a) anónimo(a) à entrada Fun

Glosa:

Eu diria que não pode ser importante se não serve para nada. Não tenho uma visão utilitária das coisas, nem me parece que ela se infira do texto. Era preciso definir o sentido do "servir", mas acho que considerações éticas e/ou estéticas, por exemplo, "servem" para muito. E deviam fazer parte integrante do ensino de cursos na área científica, os de Biologia por maioria de razão. O argumento era no sentido de se ministrar um ensino aberto, que deixasse à interacção professor-aluno-comunidade uma parte importante da selecção dos assuntos a explorar. O modelo actual é o de uma selecção de coisas "importantes" feita unilateralmente pelo professor e transmitida aos alunos. E parece-me que assim se perdem oportunidades de ir ao encontro do interesse dos alunos, correndo o risco de os deixar desmotivados e alienados.

Não me tenho por indeciso, nem me parece que as duas proposições (O conhecimento constrói-se ou integra o que já se conhece?) sejam mutuamente exclusivas. Vejo-as como complementares. Gosto da expressão "construção do conhecimento" porque combina a ideia de conteúdos, factos ou capacidades isoladas, unitárias (os tijolos) que são combinados num processo de ordem superior, que implica juízos de valor acerca dos materiais a usar ou a rejeitar, acerca do modo como eles devem ser integrados, e sobretudo acerca do objectivo de todo o processo. De facto, aprende-se para quê?

Sendo um processo, o conhecimento constrói-se através da integração de factos e conhecimentos anteriores. Uma vez construído, torna-se ele próprio material para a construção de novos conhecimentos. Ou estarei a misturar dois conceitos: o de conhecimento , que se constrói, e o de facto , que se aprende? Hum... tenho que ler o que a wikipedia diz acerca disto.

terça-feira, maio 24, 2005

Os 10 erros da escola

Na sequência da animada discussão à minha entrada a propósito do Calvin & Hobbes, relembrei-me de Roger Schank. Conheci-o através de um seu livro, luminoso: "Coloring Outside the Lines". E agora fui procurar textos dele.

Descobri que é director de uma companhia chamada Socratic Arts, onde podem encontrar-se alguns dos seus textos de opinião. Encontrei uma entrevista com ele na Edge, a revista electrónica para super-dotados sem nada que fazer. E encontrei um texto delicioso sobre os 10 principais erros das escolas. E aqui entenda-se (eu entendo!) escolas em sentido lato. Traduzo apenas os títulos (mas vão lá ler o resto!):
  1. As escolas agem como se aprender pudesse ser dissociado de fazer.
  2. As escolas acreditam que a avaliação faz parte da sua missão.
  3. As escolas acreditam que têm a obrigação de criar curricula padrão.
  4. Os professores acreditam que devem dizer aos estudantes o que acham que é importante saber.
  5. As escolas acreditam que a instrução pode ser independente da motivação para fazer alguma coisa.
  6. As escolas acreditam que estudar é uma parte importante da aprendizagem. (Não resisto: Studying is a complete waste of time )
  7. As escolas acreditam que separar os alunos por idades é intrinseco à organização escolar.
  8. As escolas acreditam que os estudantes só fazem as coisas para receberem uma boa nota.
  9. As escolas acreditam que a disciplina é uma parte inerente da aprendizagem.
  10. As escolas acreditam que os estudantes têm um interesse básico em aprender o que as escolas decidem ensinar-lhes.

O Benfica e os chimpanzés

No dia em que o Benfica ganhou o campeonato tive que sair à rua e fui apanhado num engarrafamento causado pelos carros das pessoas que festejavam na rua. Acabei por estacionar e fazer um bodaco do caminho a pé. Fiquei assustado. Tudo aquilo (os gritos, os apitos, os saltos, os urros, os cântigos guturais) criava um ambiente selvagem e primitivo. Pessoas (quase todas homens, quase todas jovens) passavam umas pelas outras num estranho ritual de reconhecimento, de pertença a uma tribo.

Pensei no que me aconteceria se me apetecesse gritar o nome de um outro clube, e tive uma ideia da resposta ao passar por uma televisão e ver os incidentes no Porto: um grupo de benfiquistas de um lado, um grupo de portistas do outro, e polícia de intervenção no meio. Agressões, gente presa. Iindividualidade desaparecida na massa ululante. Pessoas que não se conheciam de lado nenhum, unidas no ódio contra um conjunto de outras pessoas por... por quê, de facto?

Lembrei-me do livro de Richard Wrangham e Dale Peterson, "Demonic males. Apes and the origin of human violence", e do paralelismo traçado entre os humanos e o chimpanzé, Pan troglodytes. É que também nesta espécie, com a qual partilhamos quase todo o nosso genoma, estão documentados casos de agressão por grupos de machos a elementos de outros grupos, de violação, de agressão às fêmeas, de infanticídio.

Parece que a tendência para a violência e o genocídio vem de longe, no nosso passado evolutivo. E tive a sensação de estar a assistir ao mesmo tipo de comportamento que está por trás de acontecimentos como os da Bósnia ou do Ruanda, só para não recuar mais de 10 anos. A diferença é só quantitativa.

E eu, que sei que o racionalismo não nos salvará das nossas tendências inatas, e que sei que a espécie humana não aprende com o passado, fico a pensar nos bonobos, P. paniscus, uma outra espécie de chimpanzé mas caracterizada pela gentileza, pela não-violência. E repesco as palavras de Wrangham e Petersen: "female power is the secret to male gentleness among bonobos".

quinta-feira, maio 19, 2005

Fun

Calvin & Hobbes: snake

Guardo este recorde do Calvin & Hobbes à quase 10 anos. Acho que diz muito sobre as percepções que alunos (e professores) têm do ensino: uma coisa aborrecida, que se faz com sacrifício e a que as pessoas se submetem porque são obrigadas, ou como ritual de passagem para um emprego.

A maneira como geralmente se ensina, de facto, mata a curiosidade, o espírito crítico, o próprio entusiasmo. Eu vejo a diferença entre os alunos do 1º e os do 4º ano: estes mais maduros, claro, com mais conhecimentos e experiências, mas também mais amargos e mais desiludidos.

E isso não devia ser assim! Não precisa de ser assim! As fronteiras entre disciplinas tinham que desaparecer. Os professores tinham que deixar de estar de costas voltadas uns para os outros e para os alunos. As aulas tinham que sair do campus e do papel e passar para o campo, para as empresas, para a sociedade. E todo o ênfase da academia devia ser no estímulo dos interesses dos alunos, e em responder e ajudar a encaminhar esses interesses no sentido de uma plena realização pessoal e profissional.

O processo de Bolonha podia ser o caminho para isto. Mas, infelizmente, não acredito que o seja.

segunda-feira, maio 16, 2005

Equador

O Equador é um país importante no mundo, pela sua quota da reserva de biodiversidade planetária. Para qualquer biólogo, basta lembrar que é o país a que pertencem as Galápagos. Mas o seu território continental abrange também ecossistemas diversos e ricos, desde as zonhas andinas de montanha até às florestas costeiras e incluindo uma parte da Amazónia. É também um país rico em termos humanos: 35% dos seus 12 milhões de habitantes pertencem a várias tribos indígenas.

É frequente incriminar-se estes países pela sua responsabilidade na destruição da biodiversidade que têm ao seu cuidado. Poucas vezes, no entanto, chegam ao nosso conhecimento as condicionantes que levam ao estabelecimento de políticas ambientalmente destrutivas.

O Equador tem petróleo. Muito, aparentemente. E sucessivos governos têm apostado na exploração do petróleo como via para o "desenvolvimento" do país. Não vou abordar agora a questão de onde vem esta idéia. Sucede que os principais resultados para o país têm sido a devastação ambiental e humana associada à exploração petrolífera e à construção de pipelines. O lucro tem ido todo direitinho para as companhias internacionais que exploram o negócio, e para os credores do Banco Mundial que emprestaram o dinheiro.

Quando se conhecem os bastidores do negócio, como resulta da exposição agora feita por Greg Palast no TheNation.com, não se pode calar a indignação: o país deve prescindir de 90% dos lucros devidos ao aumento do custo do petróleo resultante da guerra no Iraque? Esses lucros devem ser sifonados directamente para os bolsos dos "investidores" internacionais, mantendo 60% da população na pobreza? E quando o presidente ameça alterar estas cláusulas, é chamado à atenção pela megera Condoleeza Rice, claro. O investimento feito no Iraque tem que ser recuperado...

De quem é a culpa da destruição ambiental, então?

domingo, maio 01, 2005

Felicidade

No estado de tensão em que estou (desculpem, mas não quero dizer stress nem consigo dizer estresse...) é óbvio que este artigo do Prospect me tinha que trazer aqui. As idéias base já são minhas conhecidas há muito tempo: dinheiro só dá felicidade até certo ponto- aquele em que as necessidades básicas estão satisfeitas. Podemos discutir o que são necessidades básicas, mas demonstra-se que muitas pessoas vivem muito acima desse nível e que, em termos médios, a felicidade não cresce linearmente com o rendimento.

Por outro lado, já enerva toda a política ser dominada pela economia. Estas últimas eleições, então, foram um enjôo. O PSL ainda tentou discutir a eutanásia e a clonagem, mas ninguém lhe ligou. Nem deviam claro, porque PS e PSD tentaram à sua maneira iludir as questões essenciais. Não interessa ao dia-a-dia da generalidade das pessoas o ritmo de crescimento da economia, nem se o défice ultrapassa os 3%. Aos menos abonados interessa o emprego, ou pelo menos o trabalho. E não é seguro que uma coisa ou outra estejam ligadas aqueles indicadores macro-económicos. Aos restantes interessa muito mais a felicidade. Pensem no vosso caso. Perguntem às pessoas! É uma necessidade biológica, pois então.

Daí que muita gente defenda que, em vez do Produto Interno Bruto, se devesse falar da Felicidade Interna Bruta. E não são uns maluquinhos: há nóbeis da Economia, "think-thanks" influentes e a idéia até já foi adoptada por um país, o Butão.

Aqui ficam alguns apontadores sobre este assunto: um artigo importante dos psicólogos Diener e Seligman, o "Well-Being Program" do grupo londrino New Economics Foundation, o Spirit in Business (de onde se pode descarregar o relatório de Sander Tideman), e, já agora, as exigências utópicas de Eduardo Galeano.

quarta-feira, abril 20, 2005

Biosofia?

Depois de vários anos a manter um blogue escondido num cantinho da internet (aqui, mais precisamente), resolvi saltar para a ribalta. Basicamente porque percebi que havia pessoas a ler o que eu escrevia (Sim! E mais do que uma...), e a fazer comentários pertinentes quando me encontravam. O comentário geral era: "Pena não se poder comentar..." Para poder incluir interactividade ainda andei à volta com soluções complicadas mas o html era demais para mim e acabei por optar juntar-me aos mais crescidos.

Tive alguma dificuldade em decidir o nome. Escolhi este porque junta dois dos meus passatempos preferidos, a Biologia e a Filosofia. Depois dei-me conta dos múltiplos sentidos que o termo pode ter, ao ligar a Vida à Sabedoria. E gostei, francamente. (Ah! Camadas... Nem toda a gente gosta de cebolas! dizia o Burro ao Shrek)

Uma busca rápida na internet mostrou que o termo já existe (Não há nada de novo debaixo do sol, mesmo?). Há, por exemplo, uma revista chamada BIOSOFIA, associada a um movimento esotérico. E "Biosophy" tem uma entrada na Wikipedia. É, aparentemente, uma corrente filosófica que tem a Biologia como inspiração. As páginas existentes na net são um bocado pindéricas (The Biosophical Institute, Inc., The Biosophy Program), mas isto sou eu a dizer... Só quero esclarecer que não conheço nem tenho à partida nenhuma simpatia por estes movimentos.