sexta-feira, dezembro 02, 2005

Roger Schank


Leio sempre com prazer os textos de R. Schank na sua coluna Educational Outrage. No contexto da reorganização de Bolonha, é refrescante ler a sua lista das acções que as universidades deveriam tomar se quisessem de facto que as pessoas acreditassem que a educação dos estudantes é a sua primeira prioridade:

  1. Todos os candidatos deveriam ser admitidos. (A única limitação deveria ser a do espaço)
  2. Os professores não deveriam determinar o curriculo. "Professors are enamored with theories and ideas precisely because that is what they deal with all day. If you want practical real world skills, you won’t learn them from them."
  3. As disciplinas não deveriam ter uma duração fixa, e não deveriam ser frequentadas em paralelo. "And how long should a course take? As long as it takes to learn whatever it is the student is trying to learn how to do."
  4. O ensino devia ter lugar quando fosse necessário.
  5. As disciplinas deveriam ser dominadas por projectos e não por lições (lectures). "projects work well in courses where the end result is a student who has learned to actually do something. This should be true of all fields not just ones that are obviously about doing."
  6. Os curricula deviam ser desenhados como preparação para o emprego. "Let students prepare for one or many jobs that interest them. Stop all the academic pretense."
  7. Ter sucesso na escola não deveria significar ganhar uma competição. "As long as school is viewed as a competition, we will have players of the game who are good at the game but learn very little."
  8. A licenciatura não deveria ser determinada pelo total de créditos acumulados. "You should graduate when you can demonstrate some abilities that you didn’t have before you started school."
  9. As propinas deveriam ser baratas.
  10. O campus deveria ser sério, i.e. não relacionado com festas, bebida, futebol, praxes ou actividades extracurriculares.

2 comentários:

Anónimo disse...

Estou de volta, novamente com algum tempo para comentar um dos poucos blogs de q sou leitor assíduo. Vou comentar cada ponto individualmente, e acabar com uma pequena apreciação global. Espero q disfrutem!!!

1. Todos os candidatos deveriam ser admitidos. (A única limitação deveria ser a do espaço)

Numa reunião da actualmente extinta Plataforma de Estudantes do Ensino Secundário, perguntei se alguém me sabia dar a definição de Numerus Clausus (um dos estandartes de luta dessa organização). Ninguém me soube responder. Na altura achei que era por ignorância. Hoje acho que era por não quererem admitir o óbvio numa reunião que ia ficar registada em acta: é impossível acabar com os numerus clausus, porque estes nascem da limitação de espaço. Como tal temos que escolher quem vai ocupar os lugares disponíveis nas universidades. O critério actual é discutível (eu critico-o fortemente), mas a selecção essa tem que existir. Acho que ninguém deixaria ficar um aluno de fora de uma universidade, se houvesse espaço para todos.

2. Os professores não deveriam determinar o curriculo. "Professors are enamored with theories and ideas precisely because that is what they deal with all day. If you want practical real world skills, you won’t learn them from them."

Existem dois conceitos por detrás deste argumento. O primeiro, as universidades são locais onde se aprendem capacidades práticas e profissionais, e não um local onde se gera conhecimento. O segundo, a maioria dos professores não sabe fazer nada de util à sociedade. Na minha opinião, ambos estão conceptualmente errados e entram um pouco em contrasenso com algumas das ideias apresentadas pelo autor, neste e noutros comentários. Além disso, é preciso propor uma alternativa.

3. As disciplinas não deveriam ter uma duração fixa, e não deveriam ser frequentadas em paralelo. "And how long should a course take? As long as it takes to learn whatever it is the student is trying to learn how to do."

Está implicito neste argumento que todos os alunos interessam-se realmente por aquilo que estão a aprender. Qualquer pessoa que conheça minimamente as universidades actuais sabe que isso não é verdade, e foi até assunto de um comentário neste blog. Penso que a solução ideal não é deixar um aluno arrastar-se por tempo indeterminado. Se uma disciplina estiver bem estruturada (a correcta estruturação de uma disciplina é outro assunto) qualquer pessoa sem qualquer tipo de limitação à aprendizagem, deve ser capaz de completar uma disciplina com sucesso num tempo determinado.

4. O ensino devia ter lugar quando fosse necessário.

Concordo com este tópico. O único problema é que para isso é preciso ter um professor, não só disponível, como interessado em perder algum do seu tempo a tentar resolver as questões de outra pessoa, neste caso um aluno. Infelizmente, não conheço muitos assim!

5. As disciplinas deveriam ser dominadas por projectos e não por lições (lectures). "projects work well in courses where the end result is a student who has learned to actually do something. This should be true of all fields not just ones that are obviously about doing."

Sim, esta solução resolvia bastantes problemas. Uma limitação que teria que ser pensada é o facto de os alunos poderem escolher temas claramente fora do âmbito, quer da disciplina, quer das áreas de conhecimento do professor (voltamos um pouco ao tópico anterior). É uma proposta itneressante, embora de forma alguma nova, mas que teria que ser bem pensada, senão voltamos ao sistema actual, mas com trabalhos práticos e não aulas teóricas.

6. Os curricula deviam ser desenhados como preparação para o emprego. "Let students prepare for one or many jobs that interest them. Stop all the academic pretense."

Daqui partimos para o seguinte argumento: só deveriam existir cursos para os quais houvesse saídas profissionais. Faz sentido num país em crise, mas deixa-se também de gerar conhecimento (na minha visão).

7. Ter sucesso na escola não deveria significar ganhar uma competição. "As long as school is viewed as a competition, we will have players of the game who are good at the game but learn very little."

Aqui estamos a lidar com um problema cultural e social, e não com um problema das universidades. As universidades são feitas por pessoas, e essas pessoas são influenciadas pela sociedade que os rodeia. Para mudar o aspecto competitivo das universidades seria preciso mudar a sociedade. Mais tarde ou mais cedo vamos todos acabar por competir, inclusivamente no meio profissional. O que me leva a pensar que este argumento está também em contrasenso com os outros. Se a universidade deve preparar para o mundo profsissional, deve também preparar para a competição característica do mesmo. Então, porque razão não deve ser um local competitivo?!

8. A licenciatura não deveria ser determinada pelo total de créditos acumulados. "You should graduate when you can demonstrate some abilities that you didn’t have before you started school."

Conceptualmente aliciante, operacionalmente dificil.

9. As propinas deveriam ser baratas.

Discordo veemente! Não deviam sequer existir propinas. Infelizmente vivemos num mundo capitalista. E qualquer propina, por muito barata que seja, vai sempre excluir alguém, e lá se foi o argumento nº1.

10. O campus deveria ser sério, i.e. não relacionado com festas, bebida, futebol, praxes ou actividades extracurriculares

Este é um problema sério com as universidades actuais, mas é novamente um problema cultural. A nossa sociedade é cada vez mais edonista. O objectivo da vida é farrar até não conseguir mais! Todos os outros objectivos são secundários. Em relação às actividades extracurriculares, ou se dá liberdade ao aluno para escolher ou não. Ou seja, se não permitirmos a existência de actividades extracurriculares, estamos a limitar a capacidade de o aluno aprender numa área que seja do seu interesse.


Acho que é muito perigoso pegar em argumentos que foram feitos numa determinada realidade e aplica-los noutra. A sociedade norte-americana é radicalmente diferente da nossa, ao contrário do que a crescente invasão cultural que tem tido no nosso país pareça indicar. E isso também acontece com o mundo académico, principalmente abaixo da licenciatura. É por isso que o processo de Bolonha vai ser um fracasso social no nosso país. Estamos a tentar por o nosso sistema educativo na cama de Procrusteo. Daqui a uns anos não vamos notar, mas como dizia o meu companheiro de fim de tarde Fiodor Dostoievski: “O bandalho do ser humano habitua-se a tudo!”. Além disso achei curioso não ter referido que todos estes argumentos são utilizados pelo autor original para justificar a criação de cursos on-line, e para enaltecer as suas vantagens. Será porque não concorda com os cursos on-line, ou porque não quer ser (ainda) identificado como defensor de este método de ensino?

José Azevedo disse...

Bem vindo! e obrigado pela preferência.

Alguns comentários aos comentários.

1. O problema é que o numerus clausus não é um questão de espaço. Aliás não faço sequer idéia do que seja. Mas sei que é uma das irracionalidades do nosso sistema de ensino. Acho confrangedor ver todos os anos as contas que somos obrigados a fazer, tentanto "prever" o número de candidatos: queremos abrir tantas vagas quanto possível, mas temos medo de ser depois criticados pela baixa percentagem de colocações. E já não vamos falar do escândalo elitista da Medicina...

2. Gosto de provocar, obviamente. E de que me provoquem. Mas conheço demasiado bem o sistema universitário para concordar consigo aqui: em muitas áreas (a maioria?) aprende-se pouco ou nada na universidade que sirva no mundo lá fora. Mais grave: o tempo passado na universidade atrofia o desenvolvimento intelectual e pessoal e a criatividade dos estudantes, tornando-os MENOS competentes à saída do que eram à entrada.

3. O conceito aqui é do ensino centrado no estudante. Parte-se do princípio que ele quer aprender, e fá-lo-á ao seu ritmo. O desinteresse por aprender de muitos estudantes é, se não criado pelo sistema de ensino universitário, pelo menos por ele incentivado.

4 e 5. Pois é, eu também não sei como se conjugam todas estas visões de flexibilidade no ensino com a respectiva massificação. Talvez só mesmo com o ensino electrónico, que é o que está ne mente do autor.

6. Na nossa sociedade a preocupação com o emprego tem que estar em primeiro plano. Pelo menos numa fase inicial de formação. Mas isso não deve ser posto em oposição à capacidade de gerar conhecimento, antes pelo contrário! Pois então não caminhamos para uma sociedade dita do conhecimento?

7. Em certas universidades (no Reino Unido, por exemplo) as notas são atribuídas por comparação intra-turma, sem critérios externos. Não concordo.

8. Faz sentido na perspectiva do autor: o aluno vai à universidade para aprender qualquer coisa e sai de lá quando a tiver aprendido. O número de créditos não tem nada a ver com aprendizagem. E mais: o aluno deve poder ver reconhecidas pela universidade as competências que traz do seu passado, seja escolar seja profissional.

9. Aqui discordamos de novo. Até acho que o ensino devia ser suportado UNICAMENTE pelas propinas. Se as pessoas pagassem o preço verdadeiro do ensino pensavam duas vezes antes de se inscreverem num curso superior. E seriam mais criteriosas na escolha. Claro que este esquema teria que ser complementado com bolsas estatais, a serem pagas mais tarde, após se atingir uma estabilidade remuneratória.

10. Há lugar para tudo na vida das pessoas, mas custa-me muito ver que as actividades organizadas pelos estudantes andam sempre à volta da bebida e das farras. Veja-se o Bar Académico: para fazer juz ao nome, gostava de ver um espaço calmo, com boa música (de preferência ao vivo e tocada por estudantes), onde se pudesse conversar, ler, discutir assuntos importantes para a vida académica e em sociedade. Exactamente o oposto daquilo que é actualmente. Faz-me confusão as pessoas não pararem para pensar, não terem vontade de discutir os problemas.


Claro que fui parar ao site do Schank por causa das minhas pesquisas sobre e-learning. E adorei o vídeo dele em que compara a utilização dos computadores para consultar os apontamentos do professor aos primórdios do cinema, em que as câmaras filmavam peças de teatro. O e-learning é muito mais do que aquilo para que está a ser utilizado actualmente, pelo menos em Portugal. Mas para o desenvolver convenientemente são precisos professores com vontade de mudar(-se). Onde estão?