quinta-feira, maio 19, 2005

Fun

Calvin & Hobbes: snake

Guardo este recorde do Calvin & Hobbes à quase 10 anos. Acho que diz muito sobre as percepções que alunos (e professores) têm do ensino: uma coisa aborrecida, que se faz com sacrifício e a que as pessoas se submetem porque são obrigadas, ou como ritual de passagem para um emprego.

A maneira como geralmente se ensina, de facto, mata a curiosidade, o espírito crítico, o próprio entusiasmo. Eu vejo a diferença entre os alunos do 1º e os do 4º ano: estes mais maduros, claro, com mais conhecimentos e experiências, mas também mais amargos e mais desiludidos.

E isso não devia ser assim! Não precisa de ser assim! As fronteiras entre disciplinas tinham que desaparecer. Os professores tinham que deixar de estar de costas voltadas uns para os outros e para os alunos. As aulas tinham que sair do campus e do papel e passar para o campo, para as empresas, para a sociedade. E todo o ênfase da academia devia ser no estímulo dos interesses dos alunos, e em responder e ajudar a encaminhar esses interesses no sentido de uma plena realização pessoal e profissional.

O processo de Bolonha podia ser o caminho para isto. Mas, infelizmente, não acredito que o seja.

5 comentários:

Anónimo disse...

Partindo de uma perspectiva de aluno que sou, devo dizer que o que está desenhado no recorde de Calvin &Hobbes é uma situação inerente à vida de um estudante. Acontece inúmeras vezes querer sentar-me a ver o canal Odisseia, pegar numa Enciclopédia que aborde um tema que eu goste, ou simplesmente navegar na Internet à procura de várias explicações/opiniões sobre um tema que me intriga. È algo que faço com gosto, e que (in)explicavelmente ainda recordo mesmo passado muito tempo. É interessante constatar a quantidade infinita de informação interessante que reside nos diapositivos dos nossos professores, mas que não absorvemos com a mesma eficácia e duração. Suponho que tal aconteça porque à partida temos conhecimento que é algo que somos obrigados a saber, o que por alguma razão desencadeia em certas situações um sentimento de revolta e preguiça. É interessante também ponderarmos o facto de que um professor, seja de que área disciplinar, passou grande parte da sua vida a estudar o assunto que tenta transmitir, mas essa transmissão tem de ser feita num curto espaço de tempo, em que nos é exigida uma comparticipação frequente. Por outras palavras, só quando nos debruçamos na área para a qual temos vocação, e estudamos essa área com gozo e dedicação, é que podemos adquirir um vasto e consolidado conhecimento sobre os assuntos de que trata, e conseguimos transmiti-los com eficácia. Nós, alunos, somos deparados com uma imensa vastidão de cultura, e é-nos exigido sabê-la a curto prazo, independentemente do nosso interesse. Não estou a dizer que não devemos ir à escola, mas seria bem mais frutuoso se fossemos avaliados pela dedicação a um tema que nos interesse, e pelo trabalho nele desenvolvido, do que pelo decoranço de véspera de nomes, definições e conceitos que muitas vezes não compreendemos e que são esquecidos quase de imediato. Quando olho para trás, em termos de vida académica, vejo que o conhecimento que adquiri e que ainda hoje posso ser avaliado sem problemas reside apenas nos trabalhos/fequências cujos temas me interessavam. Mesmo assim, se me forem perguntar os vários ciclos de vida nas angiospérmicas provavelmente vou-me espalhar ao comprido, não porque não considero o assunto interessante, mas porque me foi exigido sabê-lo. É dificil conseguir conjugar o querer saber e o ter que saber, embora essa conjugação se torne mais fácil com a idade e a especialização na área de estudo. No entanto, por vezes imagino como seria se em vez de ter estudado esses ciclos de vida para uma frequência, os tivesse sabido pela leitura de um livro escolhido por mim e quando eu quisesse. Ou se tivesse ligado a televisão e tivesse a passar um documentário sobre a reprodução das plantas. Provavelmente ainda hoje os saberia de cor. Um exemplo claro é a capacidade de retenção que as crianças têm daquilo que vêm nos livros ou na televisão. Por outro lado em alguns casos nota-se o desinteresse absoluto pelas aulas e trabalhos de casa. Esta é de facto, uma grande particularidade das nossas mentes, a de seleccionar o que entra para ficar e o que entra a 100 e sai a 200, dependendo do contexto em que entra e do nosso interesse, à partida, na entrada. Citando o Prof. Dr. José Azevedo, “todo o ênfase da academia devia ser no estímulo dos interesses dos alunos, e em responder e ajudar a encaminhar esses interesses no sentido de uma plena realização pessoal e profissional.” Mas infelizmente não somos nós que escolhemos. Somos apenas peões nas regras e normas estabelecidas para a sociedade, uns mais, outros menos, mas todos o somos, e a esperança resta nos poucos peões que se vão juntando e partilhando conhecimentos e ideias com vista em tornar o Mundo num lugar melhor.

Tito Silva

José Azevedo disse...

Tito,

Obrigado pelo comentário muito pertinente.

O problema que expressas talvez tenha a ver com o ênfase do ensino universitário actual nos conteúdos, por um lado, e no que se sabe, por outro. Ora um ensino moderno deve estar virado para as competências, o saber fazer, e para o futuro, para o que não se sabe.

De que serve, como dizes, forçar as pessoas a memorizar pilhas de factos? Não é assim que aprendemos: aprendemos fazendo. Daí que o ensino deveria estar organizado em torno de actividades, de projectos. Coisas concretas, com interesse prático. Isso teria a vantagem de despertar o interesse dos alunos e focar a sua atenção no que não se sabe. E seria a base para construir o conhecimento, para integrar os tais conteúdos que assim se percebem de onde vêm e para que servem.

Recomendo, neste contexto, os textos do Roger Schank

Anónimo disse...

Subscrevo totalmente às palavras do Tito. De facto, aprender uma coisa de livre vontade é completamente diferente de aprender um coisa pq somos forçados a isso. Quantas vezes nao me aconteceu olhar para uma matéria e pensar: "Hum, isto é mto interessante!", para logo de seguida perder toda a vontade de estudar a matéria. No entanto, é preciso nao confundir a instituição (o curso, o programa das disciplinas, toda a organização académica) com as pessoas q a executam (os professores, senso lato). Sao duas coisas indissociáveis, eu sei, mas é preciso distinguir as duas qd se pensa sobre quais os factores q levam ao desinteresse pelas matérias por parte dos alunos. Quero apenas reforçar ensta altura q concordo plenamente q uma estrutura diferente traria concerteza resultados diferentes. Quero apenas dar um outro ponto de vista.
Um dos grandes problemas no ensino universitário em Portugal, é o q um colega meu meu bem designou de "Sídrome do Estrado". O Síndrome do Estrado consiste numa transformação de uma pessoa num ser q tudo sabe assim q sobe ao estrado de um anfiteatro. Ou seja, um aluno qd estuda para uma determinada cadeira, (ou um determinado assunto, independentemente de ser para uma cadeira ou não) procura obter várias fontes de informação: o canal Odisseia (ou o renegado discovery de q ninguém fala!), uma enciclopédia, a internet, livros da biblioteca, artigos científicos ou uma qq referência aconselhada por um professor. Após este exercício, o aluno fica confiante de q absorveu uma boa parte do conhecimento q existe sobre essa matéria. Sabes q nao apreendeu tudo, mas sabe q está de certeza bem mais informado do q qd começou esse empreendimento, e q a informação q recolheu é válida. O problema vem qd essa informação é confrontada com o professor, nomeadamente no exame. Mtas vezes, um aluno perde pontos num exame, nao pq nao tenha estudado, ou pq nao tenha percebido alguma coisa, mas simplesmente pelo facto de a informação q recolheu nao ir de encontro à do professor. Este "desencontro pode ser devido a um sem número de razões, mas mto frequentemente deve-se a um desconhecimento do professor, e nao do aluno. Até aqui tudo bem, ninguém é obrigado a saber tudo, nem um professor. O problema, é a forma como o professor lida com este desencontro. Qtas vezes nao me aconteceu confrontar um professor com uma aparente inconsistência entre aquilo q foi dado (ou exigido no exame) por ele e algo q está escrito num livro (ou mtas vezes livros), para obter um simples "Estás errado."! E qd confrontado com a referência? Simplesmente "Essa referência nao é boa" (mesmo q fizesse parte da bibliografia aconselhada). É esse o problema da avaliação. De repente, e de um só golpe, parece q toda a informação q o aluno recolheu nao é válida, está ultrapassada, e está simplesmente errada, mesmo q nao o seja! Qual é a atitude a ter para a próxima avaliação? O descrédito, a desconfiança, e principalmente, a falta de vontade de estudar. É por isso q acho q o método de exames com consulta q o Prof. Azevedo pratica em algumas das suas cadeiras é particularmente eficiente. As referências estão definidas, sao iguais para todos, e estão claramente visíveis. Não há hipótese para o aluno inventar coisas q nao leu (q infelizmente tb acontece) nem confundir algum conceito, nem há hipótese de o professor duvidar da validade das referências consultadas.
No entanto, o Síndrome do Estrado nao se manifesta apenas no exame, mas tb no dia a dia a convinvência entre professor e aluno. Está presente nas dúvidas colocadas nas aulas, nas conversas de café, nas propostas de trabalho (seja para estágios, projectos extra-curriculares, ou projectos cientificos pós-licenciatura). É omnipresente, e poucos professores se podem gabar de nao sofrerem desse síndrome. Da mma forma, nenhum professor deve pensar de forma leviana sobre se sofre, ou alguma vez sofreu, desse sindrome, pq o mais provável é já ter sofrido.
Como tal, o desinteresse crescente dos alunos à medida q vão avançando no seu percurso académico, deve-se tanto, ou mais, ao facto de verem os seus esforços constantemente diminuidos, como a uma estrutura académica mal deifnida. É um assunto complexo, mas sem dúvida bastante interesante e merecedor de debate. Existem outros factores, como o dificil acesso a literatura especializada, o constante impedimento da realização de projectos extracurriculares, mmo q fracos e sem objectivos concretos (no fundo o objectivo de uma universidade é passar conhecimentos), ou até o aproveitamento das ideias dos alunos por parte dos preofessores sem qq reconhecimento do aluno. Mas isso, sao temas para uma outra altura. Um grande bem haja para ambos!

P.S.- A propósito da identificação, parafraseio um amigo filósofo, q de certeza o professor conhece: Nenhuma coisa devia ser nomeadas, por receio de q esse nome altere o significado dessa coisa.

José Azevedo disse...

Mas que contribuição interessante! Isto está a animar. Obrigado.

Antes de mais, concordo com tudo o que o Anónimo :-) disse. Mas quero acrescentar duas contribuições, da perspectiva do professor.

A primeira é que o "Síndrome do estrado" tem a ver com o modelo de ensino em vigor: se o professor é encarado como a fonte da sabedoria e o aluno como o recipiente, é evidente a pressão sobre o primeiro para saber tudo e nunca se enganar. Mas, sendo humano, vai enganar-se com certeza, e colocá-lo nos palpos de aranha que tão bem descreveste.

Pois então não tem mais lógica que o professor se coloque ao lado do aluno, acompanhando-o na viagem de descoberta e partilhando as coisas que ambos sabem e/ou vão descobrindo? Via-se assim que ninguém pode saber tudo, e ficavam ambos mais disponíveis para o que realmente interessa: o processo de descoberta, sobretudo da descoberta do que falta descobrir.

A outra coisa é a avaliação. Ah, a avaliação! Esse é que é, para mim, o principal obstáculo à inovação pedagógica. E caímos mais uma vez na questão do modelo institucional: por mais bonitas que sejam as ideias, no final os Serviços Académicos querem saber a nota, numa escala de 0 a 20.

Não que seja difícil pensar noutros modelos. Por exemplo, podem definir-se perfis mínimos de passagem, que um aluno atinge ou não. Vejo muito esses perfis quando se trabalha ao nível das competências: "Para ter sucesso nesta disciplina o aluno deve ser capaz de..." E ou é e passa, ou não é e vamos ver qual é o problema.

Isto dá muito trabalho, evidentemente. E mais ainda se se quiserem definir dois ou três patamares: mínimo, bom e excelente. Mas não há maneira nenhuma de, num sistema destes, se chegar a 20 níveis de aproveitamento.

De modo que eu, como professor, ainda não descobri a maneira de dar a volta a isto. Sei (estou a descobrir) que preciso de definir o perfil de competências para cada uma das minhas disciplinas, mas não tenho nenhuma experiência em fazer isso, nenhum treino anterior e nenhum apoio institucional. Posso desculpar-me citando o S.E.E.C, particularmente este artigo de Jenny Moon, em como esse processo de definição de competências deve ser feito de modo integrado, tendo inclusivamente em conta a progressão do aluno de ano para ano. Mas não fico muito satisfeito com a desculpa.

De modo que vou inventando. Os testes com consulta, por exemplo. Os trabalhos práticos que sirvam para alguma coisa.

Mas ainda não consegui fugir à ditadura do 20.

PS: Desisto- qual é o filósofo?

Anónimo disse...

quote:
"De que serve, como dizes, forçar as pessoas a memorizar pilhas de factos? Não é assim que aprendemos: aprendemos fazendo. Daí que o ensino deveria estar organizado em torno de actividades, de projectos. Coisas concretas, com interesse prático. Isso teria a vantagem de despertar o interesse dos alunos e focar a sua atenção no que não se sabe. E seria a base para construir o conhecimento, para integrar os tais conteúdos que assim se percebem de onde vêm e para que servem."

Perspectiva muito utilitária, esta. Nem tudo o que é importante "serve" para alguma coisa. O conhecimento constrói-se ou integra o que já se conhece? decida-se...