terça-feira, maio 24, 2005

O Benfica e os chimpanzés

No dia em que o Benfica ganhou o campeonato tive que sair à rua e fui apanhado num engarrafamento causado pelos carros das pessoas que festejavam na rua. Acabei por estacionar e fazer um bodaco do caminho a pé. Fiquei assustado. Tudo aquilo (os gritos, os apitos, os saltos, os urros, os cântigos guturais) criava um ambiente selvagem e primitivo. Pessoas (quase todas homens, quase todas jovens) passavam umas pelas outras num estranho ritual de reconhecimento, de pertença a uma tribo.

Pensei no que me aconteceria se me apetecesse gritar o nome de um outro clube, e tive uma ideia da resposta ao passar por uma televisão e ver os incidentes no Porto: um grupo de benfiquistas de um lado, um grupo de portistas do outro, e polícia de intervenção no meio. Agressões, gente presa. Iindividualidade desaparecida na massa ululante. Pessoas que não se conheciam de lado nenhum, unidas no ódio contra um conjunto de outras pessoas por... por quê, de facto?

Lembrei-me do livro de Richard Wrangham e Dale Peterson, "Demonic males. Apes and the origin of human violence", e do paralelismo traçado entre os humanos e o chimpanzé, Pan troglodytes. É que também nesta espécie, com a qual partilhamos quase todo o nosso genoma, estão documentados casos de agressão por grupos de machos a elementos de outros grupos, de violação, de agressão às fêmeas, de infanticídio.

Parece que a tendência para a violência e o genocídio vem de longe, no nosso passado evolutivo. E tive a sensação de estar a assistir ao mesmo tipo de comportamento que está por trás de acontecimentos como os da Bósnia ou do Ruanda, só para não recuar mais de 10 anos. A diferença é só quantitativa.

E eu, que sei que o racionalismo não nos salvará das nossas tendências inatas, e que sei que a espécie humana não aprende com o passado, fico a pensar nos bonobos, P. paniscus, uma outra espécie de chimpanzé mas caracterizada pela gentileza, pela não-violência. E repesco as palavras de Wrangham e Petersen: "female power is the secret to male gentleness among bonobos".

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