segunda-feira, outubro 24, 2005

Falácias leva-as o vento...

O verdadeiro biólogo adora taxonomia. Procurar as características que aproximam os labrídeos dos pomacentrídeos, meter tudo em caixinhas, umas pequeninas dentro de outras maiores e essas dentro de outras maiores ainda,... pode lá haver prazer maior!

E é assim porque a taxonomia dá muito jeito. Posso dizer "os felinos" e toda a gente sabe do que estou a falar. E o jeito que dá tem a ver com o facto de a taxonomia não ser arbitrária, mas reflectir uma estrutura básica da natureza de que o Linnaeus nem suspeitava. De modo que, quando se passou de classificar pelas parecenças para classificar pelas afinidades evolutivas, o esquema geral não se alterou. Salvo algumas excepções, quanto mais parecido mais aparentado.

A taxonomia simplifica a estrutura do mundo real, ajudando-nos a compreendê-la e a utilizá-la.

Uma taxonomia das falácias, como a compilada por Don Lindsay, tem essa mesma funcionalidade: ajudar as pessoas a analisarem o que lhes dizem, e a encontrarem padrões, que são depois mais fáceis de comunicar.

Há dias estive numa situação em que vi aplicar asserções ambíguas, argumentação por discurso rápido (e por observação selectiva, por leitura selectiva, por números pequenos), confundir correlação com causa, falácia redutiva...

Miau?

domingo, outubro 23, 2005

As implicações do direito de aprender

Claude Lefebvre (?), Un précepteur et son élève

Seguindo uma excelente discussão sobre aprender e ensinar (que começou aqui e divergiu para aqui e para aqui), relembrei-me que vi fundamentada a minha posição sobre estes assuntos com Ivan Illich. Na procura do "Deschooling Society", encontrei o Preservation Institute. Gostei logo do primeiro parágrafo do seu texto de apresentação:
"Today, most people recognize that modernization and growth can harm the natural environment. The Preservation Institute believes that modernization also damages the social environment - that many of our social problems are side-effects of modernization and economic growth." (Ênfase meu)
Vou aprender mais sobre eles, mas quiz deixar aqui o convite. Pode ser que persuada alguém a ler algum destes textos. Ou os de Américo de Sousa, cuja página já adicionei aos favoritos.

quarta-feira, outubro 19, 2005

Ship of fools



Perguntei uma vez a um economista, dos poucos que ainda têm alguma preocupação ambiental, como era possível manter uma economia baseada no crescimento constante num mundo de recursos finitos. A resposta, evidentemente pouco pensada, foi que o conceito de tempo dos economistas era diferente do dos biólogos. Implícita ficou a ideia de que a economia está assente no curto prazo, e que o planear o futuro longíquo não dá dinheiro. Nem votos.

Era fatal...


... tinha que falar da gripe das aves. Desculpem. Continuem lá o zapping.

A sociedade ocidental é controlada pelo medo. Medo dos terroristas. Medo dos pretos, dos ciganos, dos emigrantes. E medo das doenças.

Periodicamente surge uma doença da moda, que vai matar toda a gente. Ganham os políticos, com o povão a olhar para outro lado e eles a poderem mostrar que controlam (est)a situação. Ganham os jornalistas, e ganham muito mais os donos das multinacionais que controlam a imprensa. Ganham os laboratórios farmacêuticos. E no final não morre ninguém, e ficamos todos contentes.

Foi assim com a sida*, com a doença das vacas loucas, com a SARS, e agora com a gripe das aves.

Reparei como a coisa começou, há uns meses, com pequenas notícias dispersas sobre as pandemias de gripe, e entrou depois na actual espiral. Valia a pena tentar saber se a guerra judicial entre a Roche e a Gilead Sciences Inc, o laboratório que inventou o Tamiflu, tem alguma coisa a ver com isto. Os inventores fundamentavam a queixa na alegação de que os compradores não faziam uma divulgação suficiente do produto...

Agora, claro, com 60 pessoas mortas desde 2003, o assunto adquire importância mundial. E tinha mesmo que ser, não é? Sessenta pessoas em 2 anos isso dá, para aí, 3 mortos por mês. Assustador. Sobretudo se comparado com as 3 pessoas que morrem por dia nas estradas de Portugal. E estamos a falar de um conjunto de países no Sudoeste Asiático com uma população de mais de 400.000.000 de pessoas.

Mas, dizem-me, esta doença é perigosíssima em pessoas: das 117 infectadas morreram 60. Logo, se és infectado tens 50% de hipóteses de sobreviver. (OMS: "In the present outbreak, more than half of those infected with the virus have died."; "WHO reports only laboratory-confirmed cases.") Hummm...

Em Portugal, a quantas pessoas é que é feita a análise molecular da estirpe do vírus que a infectou? E agora imagine-se no Viet Nam? Quantos indivíduos estavam na sua barraquinha, com uma hortinha, um porco, umas galinhas e patos à solta no quintal, sentiram-se mal, uma gripezita, três dias de cama e pronto? Ninguém sabe, mas eu imagino que devem ter sido muitos. Parece-me lógico que só os casos mais graves terão ido parar ao hospital, e destes só os mais estranhos terão sido testados. E, entre esses, não é de estranhar que a mortalidade seja elevada.

Mas, dizem-me, existe a possibilidade de o vírus se transmitir entre humanos. Pois existe. Assim como existe a possibilidade de eu ganhar o Euromilhões. E hoje o José Rodrigues dos Santos já dizia "QUANDO a pandemia começar..." Foi do entusiasmo, de certeza, eu até tenho boa impressão do rapaz!

Mas não se pense que não me assustei. Fiquei até muito aflito, mas foi quando começaram a falar de aves migratórias. Cheguei a pensar que iam sugerir o abate em larga escala de patos selvagens, gansos, cegonhas, flamingos, essa passarada toda que anda para aí criminosamente a espalhar doenças. Mas não. Ninguém falou nisso. Pelo menos ainda não. Falam é em proibir a caça- sempre há males que vêm por bem.

Para continuar a rir com este assunto (para não chorar) ler o texto de João Pereira Coutinho. Para os masoquistas, que querem mesmo é chorar, recomendo o blogue Pharma Watch.


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* Desta não morreu ninguém, mas não há motivos para contentamento...

domingo, outubro 16, 2005

Quando é que chega?

Por falar em princípio da precaução, um tal Gary Kobinger e seus colaboradores misturaram proteínas do virus Ébola no HIV. Andam a fazer testes em ratos mas querem passar à fase de aplicação em humanos. É verdade- há "cientistas" não só a trabalhar com aquilo que muita gente pensa serem dois dos vírus mais mortíferos que se conhecem, mas a misturá-los um com o outro.

Quem é esse criminoso?, perguntarão. Pois é um investigador da Universidade da Pensilvânia. Andei pelo site, mas não consegui dar com a página dele. E a justificação? Arranjar uma maneira de introduzir um gene normal em células pulmonares de pessoas sofrendo de mucoviscidose. A história está contada nesta peça da BBC.

Claro que eu sei que o HIV é um vírus passageiro absolutamente inofensivo (Deusberg & Rasnick, 1998; Deusberg et al., 2003), mas a questão não é essa. A questão é como alguém pode ter a arrogância de manipular coisas que não conhece mas que sabe/pensa serem extremamente perigosas, não só com impunidade mas até com financiamento público? Esta gente não sabe que não está a lidar com máquinas? Pode tirar-se o motor de um Porsche e colocá-lo num VW carocha e ficar com um carro que anda que é uma beleza. Mas os sistemas biológicos são inerentemente imprevisíveis. São sistemas complexos, bolas! Vão ler!

Não há limites para esta ciência?

Hormese

Hormese é a minha melhor tradução para o termo inglês "hormesis". Significa que um determinado produto (normalmente um poluente, ou uma toxina) tem efeitos opostos em doses altas e em doses baixas. Um livro recentemente editado,com o provocativo título "UNDEREXPOSED: What If Radiation Is Actually GOOD for You?" faz o ponto da situação relativamente à radiação. E advoga que a hormese contradiz o princípio actualmente aplicado de que toda a radiação ionizante é prejudicial, mesmo em pequenas doses. Isto tem, evidentemente, implicações fortes para as actuais políticas de avaliação de risco nuclear.

Façamos uma experiência: quantas pessoas morreram como consequência directa do acidente de Chernobyl? Pense num número e depois veja este artigo de Michael Fumento. E, para as bases teóricas da hormese radioactiva, este de S. M. Javd Mortazavi. E lá se vai uma das minhas razões para me opor à energia nuclear...

Um toxicologista chamado Edward Calabrese está desde há alguns anos a acordar o campo paralelo da hormese química. Basta ver os seus artigos na B-On. E digo acordar porque há um velho ditado dos farmacêuticos: "O veneno está na dose". Será que afinal as dioxinas da co-incineração até fazem bem à saúde?

E o princípio da precaução, onde fica? Na determinação do nível aceitável?

A luz no escuro



Já comparei a ciência a uma luz muito fraca numa noite muito escura, num lugar desconhecido. Ela ilumina só um bocadinho, e mesmo assim mal. E nós temos que ir juntando os bocadinhos que uma pessoa vê aqui com os bocadinhos que outro vê ali, e ir reconstituindo o caminho. Por isso é tão importante ser de uma integridade absoluta quando reportamos o que vemos do nosso bocadinho: é que outros vão usar essa informação e construir a partir daí. Um erro inicial pode multiplicar-se e levar a cair no abismo.

Há um célebre texto de Richard Feynman que descreve exactamente aquilo que eu quero dizer:
It's a kind of scientific integrity, a principle of scientific thought that corresponds to a kind of utter honesty--a kind of leaning over backwards. For example, if you're doing an experiment, you should report everything that you think might make it invalid--not only what you think is right about it: other causes that could possibly explain your results; and things you thought of that you've eliminated by some other experiment, and how they worked--to make sure the other fellow can tell they have been eliminated.

Details that could throw doubt on your interpretation must be given, if you know them. You must do the best you can--if you know anything at all wrong, or possibly wrong--to explain it. If you make a theory, for example, and advertise it, or put it out, then you must also put down all the facts that disagree with it, as well as those that agree with it. There is also a more subtle problem. When you have put a lot of ideas together to make an elaborate theory, you want to make sure, when explaining what it fits, that those things it fits are not just the things that gave you the idea for the theory; but that the finished theory makes something else come out right, in addition.

In summary, the idea is to give all of the information to help others to judge the value of your contribution; not just the information that leads to judgement in one particular direction or another.

Caltech commencement address, 1974.
É isto que as pessoas esperam dos "cientistas" mas que, infelizmente, muitas vezes não recebem. Às vezes recebem "hipóteses", normalmente muito bem envolvidas em roupagens teóricas. Tão envolvidas em linguagem técnica, de facto, que se tornam incompreensíveis. E vêm, então, acompanhadas de cálculos, ou experiências, gráficos e tabelas que, se não se percebem, pelo menos inspiram confiança. Perca-se um bocadinho a analisar aquilo tudo, no entanto, e percebe-se o truque: não há nada ali de substancial. O autor viu uma coincidência engraçada, elaborou a sua hipótese, fez uns cálculos superficiais que a pareceram confirmar e não mexeu mais. Aplicam-se os critérios de Feynmam e vemos a "hipótese" pelo que ela é: uma "just-so story" (ler as originais aqui), uma idéia gira que, sem suporte empírico, não passa disso.

segunda-feira, outubro 10, 2005

Doutoramento

Tanto quanto eu saiba, os doutoramentos são regidos em Portugal pelo Decreto-Lei 216/92, de 13/10.

Lá se diz (artº 17) que "O grau de doutor comprova a realização de uma contribuição inovadora e original para o progresso no conhecimento, um alto nível cultural numa determinada área do conhecimento e a aptidão para realizar trabalho científico independente." É esta, portanto, a definição oficial de doutor.