sábado, julho 30, 2005

Ecologia



Depois de um estágio de alguns meses na minha mesa de cabeçeira, voltei a pegar no livro de Robert H. Peters "A critique for ecology". É um livro denso, de uma erudição extensa, causada pela preocupação do autor com fundamentar o seu argumento, examinando-o de várias perspectivas e ilustrando-o com citações e referências. Mas é um livro fundamental, que não sei como me foi possível chegar até aqui sem ler.

Espero que eu faça parte de um grupo minoritário de pessoas ligadas à Ecologia (enquanto ciência) que ainda não leu este livro. É que a mensagem nele contida é muito importante, e pode ser resumida da seguinte forma: a Ecologia está em crise porque muito dela tem falta de rigor científico e uma fraca capacidade preditiva. Muita da Ecologia usa conceitos mal definidos, coloca questões irrespondíveis, e elabora teorias não falsificáveis.

Quando peço aos meus alunos uma definição de Ecologia, salta logo a velha "é a ciência que estuda a relação dos seres vivos com o meio ambiente", que já vem pelo menos do 7º ano! Mas o que é que isto quer dizer, exactamente? Ou, o que vai dar no mesmo, o que é que, então, não é Ecologia? Mas já pelo menos desde 1974 que Charles Krebs insiste que a Ecologia é o estudo científico da distribuição e abundância dos seres vivos": "where organisms are found, how many occur there, and why". Só parece pouco à primeira vista, enquanto as consequências desta definição não assentam. Depois percebe-se que esta é única forma de construir uma ciência digna desse nome.

Não sei se a situação desta disciplina se alterou desde a publicação do livro de Peters em 1991, poucos anos antes da sua morte (ver obituário). Mas pelo menos eu estou a aprender muito...

Economia


Confirmando a minha rebelião com o domínio da "economia" sobre o discurso político actual, e com a forma como a percepção geral do mundo económico encaminha este planeta para o caos, li hoje o artigo de Gordon Bigelow para a Harper's ("Let There Be Markets: The Evangelical Roots of Economics", que arquivei aqui).

Bigelow desmonta a retórica dos "mercados" e respectiva "liberdade" mostrando como a base das principais teorias económicas está errada. Se, como é óbvio para todos menos para prémios Nobel da Economia, as pessoas não tomam as suas decisões económicas pensando exclusivamente nelas próprias e usando uma racionalidade absoluta, a pretensiosidade científica das correntes teorias económicas neoclássicas esfuma-se.

Este artigo mostra a perigosidade deste conceito de mercado livre usando exemplos de falhanços espectaculares, como o da grande fome da batata, na Irlanda de meados do séc. XIX, em que morreram mais de 1 milhão de pessoas. Mas mostra também que a génese destes conceitos económicos está nos preconceitos cristãos evangélicos, os mesmos que ainda hoje dominam o mundo a partir de Washington e estão muito perto de provocar uma hecatombe sem paralelo na história humana.

segunda-feira, julho 25, 2005

Liberdade


Jean Charles Menezes, † Londres, 22 Julho 2005

They that can give up essential liberty to obtain a little temporary safety deserve neither liberty nor safety.

Benjamin Franklin

terça-feira, julho 19, 2005

Irracionalidades



Estamos ainda muito longe de eliminar as irracionalidades no nosso sistema de ensino superior. Tudo está disfuncional e desorganizado, começando no esquema de financiamento, passando pelo numerus clausus e pelo estatuto da carreira docente e acabando na (des)estruturação pedagógica dos cursos. Muitos docentes e gestores universitários estão alheados das causas profundas da actual crise, e muitos dos que têm alguma ideia dos problemas estão enredados nas malhas do imobilismo próprio e alheio.

Não admira pois encontrar comentários como os de João Vasconcelos Costa, no seu último artigo, de que tenho o gosto de transcrever:

A Universidade dos Açores abriu uma nova licenciatura em Biotecnologia. Disto sei eu alguma coisa. É um exemplo típico de uma actividade interdisciplinar, a nível de pós-graduação, integrando em equipa biólogos, químicos, engenheiros, informáticos. Quem pensa que pode haver hoje uma licenciatura em biotecnologia, ainda por cima nos Açores, anda nas nuvens acerca da biotecnologia.


Outra nova licenciatura da UAç é em Ecoturismo, para 20 alunos. Num ano, saturam o mercado de emprego. Ao mesmo tempo, abrem também uma nova licenciatura em Património Cultural. Só falta também, nesta licenciatura, um ramo de restauro. Porque não ainda mais especializada, em ecoturismo e património cultural da minha querida freguesia da Ribeira Seca, a tal em que, em tempos idos, se deixava a chave na porta para os vizinhos poderem entrar?

Aparecerem ofertas deste género (e alunos que as frequentam), como JVC bem sabe, é sintoma da irracionalidade instalada no sistema. Eu até estive envolvido na génese da licenciatura em Ecoturismo, embora numa perspectiva de damage control, e não me sinto particularmente satisfeito com a minha contribuição. O que me aflige é encontrar a ponta da meada. Por onde começa a reforma? Pelo Ministério? Pelos reitores? Pelos departamentos? Individualmente? Ou precisamos de um Alexandre?

segunda-feira, julho 11, 2005

Nuclear

O ano passado descobri que o James Lovelock via no nuclear a saída para o problema do aquecimento global. Justificando com base na necessidade urgente de abandonar os combustíveis fósseis, Lovelock diz que os medos da radiação são irracionais e que a energia nuclear é a mais segura de todas. Achei piada ao argumento, mas fiquei com uma pergunta sem resposta: "E o destino final do material radioactivo? Se já neste momento é problemático, o que aconteceria se a energia nuclear fosse adoptada em grande escala?"

Agora li uma série de artigos por Peter Bunyard no sítio do Institute of Science in Society sobre este tema. Deixo aqui o registo, para contrabalançar. Num primeiro artigo, este autor lança argumentos económicos (a energia é muito cara, porque pesadamente subsidiada) e de segurança (o plutónio pode ser utilizada por terroristas, e há sempre o risco de fugas e acidentes); no segundo, argumenta que a quantidade de urânio é limitada e que, se contabilizarmos a energia necessária para a respectiva extracção e enriquecimento (onde são utilizados combustíveis fósseis), as centrais térmicas produzem menos CO2 por kW.

Bunyard afirma que nos EUA não houve encomendas de novos reactores nucleares civis desde 1973. Faz pensar...

Vacas loucas




Os excelentes cartoons de Mr. Fish podem ser vistos aqui e aqui.


Infelizmente não vai acontecer. Se alguma coisa mudar na nossa relação com a natureza terá que vir das nossas mãos. E, pelo caminho por que vamos, não tenho muita esperança. Note-se que a única resposta positiva dada pelos G8 às solicitações do movimento Make Poverty History (para ir buscar uma coisa muito mediática) teve a ver com o fornecimento de medicamentos para a sida. Sou só eu a notar algum padrão aqui?

quinta-feira, julho 07, 2005

Sinto-me só como um seixo de praia

Sinto-me só como um seixo de praia
Vivendo à busca no cristal das ondas,
Não sei se sou o que não sou. Pressinto
Que a maré vai morar no fundo d'alma.

Calo-me sempre se te escuto vindo
Marulho de incerteza e de agonia;
Há crenças deslizando nos meus traços,
Molhando a estátua do meu sonho antigo.

Declino-me nas frases dos rochedos
Nas pérolas de som do inesquecer
Na incrível sombra da montanha adulta.

E ao me curvar ao peso da memória,
Descubro meu reflexo obscuro
Num soneto de espumas inexatas.

Vinicius de Moraes