domingo, novembro 27, 2005
Técnicas pedagógicas
De facto as pessoas habituam-se a tudo. Até a ver os seus sonhos morrerem debaixo do peso dos testes, exames, prepotências, decoranços e cábulas. Até não restar mais que um diploma...
segunda-feira, novembro 14, 2005
Make poverty history
Há ideias feitas, que se aceitam acriticamente, e que no entanto têm um poder destrutivo imenso. Algumas delas foram mesmo criadas para isso mesmo. Veja-se por exemplo a ideia de que pobreza é não ter dinheiro. Claro que não é. Antes de haver dinheiro, toda a gente era pobre? Num mundo em que tudo é visto em termos comerciais, em que tudo se compra, as pessoas não percebem que a definição fundamental de pobreza é a incapacidade de se bastar a si próprio. E que na esmagadora maioria dos casos, essa incapacidade resulta de injustiças contemporâneas ou passadas. A pobreza em África, por exemplo, não derivará da expropriação a que o continente foi exposto desde há séculos?
Li só hoje o artigo de David Rieff na Prospect de Julho (v. artigo resumido no Guardian), em que ele argumenta que o LiveAid complicou a situação política que se vivia na Etiópia na altura, tendo sido aproveitado para dar cobertura a um projecto estalinista de recolocação forçada e assassínios em massa que terá morto mais pessoas do que aquelas que foram salvas pela ajuda "humanitária".
E fico a pensar que era bom que este novo movimento, cheio naturalmente de boas intenções, não passasse disso mesmo. Porque se é o actual paradigma do "desenvolvimento" que cria a pobreza, será possível erradicá-la sem mudar os pressupostos?
Li só hoje o artigo de David Rieff na Prospect de Julho (v. artigo resumido no Guardian), em que ele argumenta que o LiveAid complicou a situação política que se vivia na Etiópia na altura, tendo sido aproveitado para dar cobertura a um projecto estalinista de recolocação forçada e assassínios em massa que terá morto mais pessoas do que aquelas que foram salvas pela ajuda "humanitária".
E fico a pensar que era bom que este novo movimento, cheio naturalmente de boas intenções, não passasse disso mesmo. Porque se é o actual paradigma do "desenvolvimento" que cria a pobreza, será possível erradicá-la sem mudar os pressupostos?
domingo, novembro 13, 2005
O porto da Calheta
Foto: Álvaro Saraiva
Fará alguma confusão aos mais novos, mas o parque de estacionamento da Calheta, ou seja o recinto da festa de São Pedro, ou seja ainda a localização do futuro casino de São Miguel, já foram um porto de pesca artesanal, uma enseada abrigada onde eu nunca mergulhei mas onde muita vez fui buscar água salgada ou fazer triagens de material recém-recolhido. Ver mais fotos aqui.
segunda-feira, novembro 07, 2005
Eric Hoffer
Acho que ganhei o gosto pelos aforismos com os notebooks de Lazarus Long. Descobri hoje Eric Hoffer, e estou fascinado. Pela profundidade, pelo desprendimento, pela lucidez. Lembrou-me Fernando Pessoa, pela capacidade de nos obrigar a enfrentar o óbvio e ver o inesperado. Deixo aqui três citações, que talvez não que expliquem o fascínio, mas têm a ver com o espírito do blogue.
Simplicity
In products of the human mind, simplicity marks the end of a process of refining, while complexity marks a primitive stage. Michelangelo's definition of art as the purgation of superfluities suggests that the creative effort consists largely in the elimination of that which complicates and confuses a pattern. 1954
The scientific method
How rare it is to come accross a piece of writing that is unambiguous, unqualified, and also unblurred by understatements or subtelties, and yet at the same time urbane and tolerant. It is a vice of the scientific method when applied to human affairs that it fosters hemming and hawing and a scrupulousness that easily degenerates into obscurity and meaninglessness. 1960
Wordiness
A multitude of words is probably the most formidable means of blurring and obscuring thought. There is no thought, however momentous, that cannot be expressed lucidly in 200 words. 1954
terça-feira, novembro 01, 2005
As carpas e a invenção do alfabeto
A propósito de uma discussão passada, descobri que existia uma tradução portuguesa das “Just so stories”, de Rudyard Kipling (“Histórias assim mesmo”, 1999, Ed. Caminho, admiravelmente traduzidas por Ana Saldanha, no âmbito da sua tese de doutoramento). São histórias para miúdos, de facto, mas têm camadas, como eu gosto. Eles riem-se com os disparates e as cenas caricaturais, e nós ficamos a pensar no resto.
Comecei pel'“O Filho de Elefante”, porque tinha visto referências ao poema final, cuja primeira quadra merecia figurar em todos os laboratórios de investigação, e nas capas dos cadernos de todos os estudantes universitários:
Tenho seis criados, vai pasmandoNuma outra história, “Como a primeira carta foi escrita”, Kipling descreve uma cena muito cómica que resulta da tentativa de Taffimai Metallumai (que quer dizer «Pessoa-pequena-sem-maneiras-nenhumas-que-devia-ser-açoitada»), a esperta filhinha de Tegumai Bopsulai («Homem-que-não-põe-um-pé-à-frente-do-outro-à-pressa»), de mandar um recado à sua mãe através de um desenho feito numa casca de salgueiro. A história passou-se no Neolítico e foi gravada numa presa de elefante que fazia parte de uma velha trompa tribal da Tribo de Tegumai. Tegumai tinha partido a sua lança a pescar carpas no rio Wagai, e a primeira carta alguma vez escrita pretendia dizer “Mãe, traz a lança preta grande, que está dentro da caverna”. A mãe pensou que a filha e o marido estavam a ser atacados e alvoroçou a tribo inteira.
(Tudo o que sei me ensinaram bem)
Chamam-se O Quê e Porquê e Quando
E Como e Onde e Quem.
A pequena Taffimai, assustada mas ao mesmo tempo fascinada com o poder da sua invenção, inventou o alfabeto com a ajuda do pai, para resolver o problema de transmitir o que queria dizer de maneira a não haver más interpretações.
A primeira letra inventada foi o “A”. A maneira de a dizer lembrou a Taffimai uma carpa com a boca escancarada. “Não sabes como elas ficam de cabeça para baixo a escarafunchar na lama?” perguntou ela ao pai. E desenhou-a assim (1). Foi Tegumai que lembrou que as carpas têm barbilhos (2), e a letra acabou por ficar mais ou menos como a conhecemos hoje (3).
A segunda letra foi o Y, que seria a cauda da carpa.
Já se está a ver que imaginação não faltava a esta dupla. O “S” inspirou-se na cobra, claro, o “O” num ovo, e por aí adiante. Os peixes voltaram a ser fonte de inspiração para o “G”, de glutão, que foi desenhado a partir da boca do lúcio (30), ficando o “K” a ser representado por uma lança atrás desse mesmo símbolo (31).
Esta é pois uma importante contribuição da Ictiologia para a cultura universal, a somar aos textos literários de Bertolt Brecht e do Pe. António Vieira (v. entrada de 11.Nov.2004).
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